segunda-feira, 5 de novembro de 2018

HUMANITAS – Nº 77 – NOVEMBRO 2018 – PÁGINA 5

A RAINHA NEGRA QUE DESAFIOU PORTUGAL

Especial do Humanitas

Aconteceu no Século XVIII! Uma negra desafiou a coroa portuguesa e o sistema escravocrata por mais de vinte anos. O nome dela era Tereza, e ficou conhecida na história da luta das mulheres negras como a “Rainha Tereza de Benguela”, por comandar a maior comunidade de libertação de negros e indígenas da capitania de Mato Grosso.
Dificilmente, alunos das nossas escolas vão encontrar o nome dessa mulher nos livros da “história oficial”, nem que seja por alto ou de forma rápida. A “história oficial” relega ao esquecimento os verdadeiros mártires da liberdade. A “história oficial” é escrita pelos donos do poder.
Na época do Brasil/Colônia existiram vários núcleos de resistência ocupados por negros em fuga da escravidão, indígenas e brancos pobres. Foram denominados de quilombos e seus habitantes de quilombolas ou mocambeiros. Esses nomes aparecem na documentação oficial desde o século XVI, mas todos seus integrantes eram considerados foras da lei pela poder dominante.
O quilombo mais conhecido entre nós é o de Palmares, e se localizava na Serra da Barriga, Alagoas. Este quilombo foi considerado por muitos especialistas um “estado africano no Brasil”, e por outros como a “República de Palmares” devido à sua extensão territorial.
Seu líder, “Zumbi dos Palmares”, foi decapitado, mas a historiografia não sabe precisar ao certo como ocorreu a sua morte.
“Zumbi dos Palmares” faleceu no dia 20 de novembro de 1695. Por isso, o “Dia da Consciência Negra” é comemorado nesta data, com a finalidade de homenagear toda a população negra que lutou bravamente pela libertação do açoite, que liderou levantes em busca da liberdade e que construiu o patrimônio social e cultural brasileiro.
Mas quem foi Tereza de Benguela? A “Rainha Tereza”, como ficou conhecida em seu tempo, viveu no século XVIII no Vale do Guaporé, no Mato Grosso.
Ela liderou o Quilombo de Quariterê após seu companheiro José Piolho ser morto. Segundo documentos da época, o quilombo abrigava mais de 100 pessoas, com aproximadamente 79 negros e 30 indígenas e resistiu da década de 1730 até o final do Século XVIII.
A liderança de Tereza ganhou destaque com a criação por parte dela de uma espécie de Parlamento e de um sistema de defesa no quilombo. Ali se cultivava o algodão, que servia posteriormente para produzir tecidos. Mas também existiam plantações de milho, feijão, mandioca, banana, entre outros.
Os objetos de ferro utilizados contra a comunidade negra que lá se refugiava eram transformados em instrumento de trabalho, visto que dominavam o uso da forja.
Tereza de Benguela foi a líder de um levante de negros e índios, instalando-se próximo a Cuiabá, não muito longe da fronteira com a atual Bolívia. Durante décadas, ela esteve à frente do quilombo, o qual sobreviveu até 1770, século XVIII. Foi morta após ser capturada por soldados no ano de 1770.
Documentos da época afirmam que: “em poucos dias expirou de pasmo. Morta ela, se lhe cortou a cabeça e se pôs no meio da praça daquele quilombo, em um alto poste, onde ficou para memória e exemplo dos que a vissem”.
No Vale do Guaporé, “Rainha Tereza” coordenava a estrutura administrativa, econômica e política da comunidade, garantindo a segurança e a sobrevivência de mais de 100 pessoas, entre negros e indígenas. Nos dias de hoje, junto com outras tantas lideranças femininas que ressurgem por causa da luta de alguns historiadores que as retiram do esquecimento oficial, Tereza tornou-se um símbolo de liderança, força e luta pela liberdade.
A história de Tereza de Benguela demorou a ganhar projeção. Passados quase 250 anos, o reconhecimento começa a aparecer.
Uma lei aprovada em 2014 pela presidente Dilma Rousseff instituiu o dia 25 de julho como o “Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra”.
A luta de Tereza de Benguela ainda não está perto de terminar. Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que ser mulher negra no Brasil significa sofrer intensa desigualdade.
Os três séculos de escravidão no Brasil, que só teve fim por conta da brava resistência dos negros escravizados, deixaram marcas profundas.
Tão profundas que, apesar da posse do corpo ter acabado, a discriminação ainda persiste.
No trabalho, 71% das mulheres negras estão em ocupações precárias e informais, contra 54% das mulheres brancas e 48% dos homens brancos.
O salário médio da trabalhadora negra continua sendo a metade do salário da trabalhadora branca. Mesmo quando sua escolaridade é similar à escolaridade de uma mulher branca, a diferença salarial gira em trono de 40% a mais para esta.

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