Abortar ou não...
Ana Leandro – colaboradora do Humanitas
- é escritora e jornalista. Atua em
Belo Horizonte/MG
Jornalismo é assim... De vez em quando nos aparecem difíceis
temas para escrever. Porque não quero só escrever para preencher espaços.
Uma grande amiga
me enviou um comentário que nunca esquecerei: “Você tem o dom. Não escreve.
Descreve. Pinta quadros com as palavras”. Veja que enorme a minha responsabilidade de corresponder a isto! Não
posso “trapacear” nem usar “chavões peneiradores”, nem conceitos
pré-estabelecidos à força de uma cultura de qualquer linha.
Pois bem, hoje
tenho que falar sobre algo muito difícil de comentar, porque pertence tão
fortemente à interioridade de cada um, que tenho muito receio de invadir um
espaço que não me pertence. Poderia talvez me “omitir”, não falar nada, eximir-me de uma resposta e assim não
desagradar ninguém. Mas não é o “meu
forte”.
Já recebi
condecorações, mas também críticas por coisas que expressei. Nessas
oportunidades às vezes me vi reforçada no meu conceito, outras vezes me vi
precisando ajustá-lo em nova aprendizagem. Mas não sei me omitir... Parece que
me vejo reduzida em minhas “utilidades”
na vida se o fizer.
A VIDA tem para
mim, como tenho certeza que para muitas pessoas, valor incalculável. A vida
plena, que nos foi dada para nos tornarmos úteis a nós mesmos e ao próximo.
Costumo dizer que
quem não conhece ou contradiz essa realidade, não tem possibilidades de
encontrar a felicidade. Aquela que nos faz orgulharmos de nós mesmos, sem
arrogância, com autenticidade, tendo a coragem de reconhecer as falhas humanas
para corrigi-las.
Pois a
vida/escola nos foi concedida para aprendermos e também para nos corrigirmos,
nos auto-avaliarmos com coragem e fazer valer a pena viver.
A função hoje
exige que eu me expresse sobre o tema do aborto. Considero-o difícil porque
entendo que o mais elementar direito humano é o de nascer.
Os outros
direitos, como a liberdade, educação, saúde, trabalho, justiça, cidadania - só
ganham sentido se houver o ser humano para desfrutá-los. Cercear sem razões o
direito à vida é negar todos os demais.
Mas quando se
trata desse assunto, não posso também deixar de pensar em incalculáveis
sofrimentos que são destinados às pessoas que ao gerarem um ser, por mil razões
possíveis podem não ter condições de levá-las a desfrutar dos demais direitos
da vida já citados, como liberdade, educação, saúde etc.
É óbvio que
deveria ser dever do ser humano verificar essas possibilidades antes de
concebê-lo e hoje a ciência já disponibiliza inúmeros recursos para tal.
Mas num país
subdesenvolvido, de grande população sem as menores condições de uma qualidade
mínima de vida, sem escola, sem saúde (obrigações básicas constitucionalmente
estabelecidas, mas infelizmente não contempladas) será que podemos esperar essa
capacidade de obedecer a essa lógica?
Numa análise
humanística a lei não pode decidir sobre aquilo que a nação não dá direito a
TODOS posteriormente. É lógico que existem nascituros cujos progenitores desconheciam
a falta de condições ideais biológicas de uma vida normal do mesmo e por isso
enfrentaram as dificuldades da criação com resignação, e tenho certeza, até com
muita aprendizagem no processo.
Mas com a tecnologia avançada da medicina e
um sistema amplo de cobertura da saúde nacional, todos poderiam fazer uma opção
consciente, com conhecimento das possibilidades de qualidade de vida que terá
aquele ser.
Não acredito em “legislação” que interfira sobre a interioridade de cada um. A Lei
tem de decidir sobre ações que afetam a sociedade em geral, como o roubo, a
corrupção, a eliminação de uma vida já estabelecida e outros fatores criminais.
Quando digo “vida já estabelecida” o faço no sentido da capacidade de pensar,
agir e tomar decisões. Isto vale também sobre as situações incontáveis de
violência a uma criança submetida à violência do estupro, ou mesmo conduzida a
uma maternidade que não poderá sustentar.
Respeitemos as decisões dessas pessoas,
sobre se devem ou não abortar.
A opção tem de ser de livre arbítrio, de
acordo com valores de cada um e o real conhecimento das consequências em si
mesmo. Não pode uma página fria de um papel, nem a dura caneta de um legislador
invadir a interioridade e os sentimentos humanos de alguém que só ele mesmo
sustentará.
E qualquer que seja a opção, que seja
destituído de crítica, discriminação ou qualquer forma de conceituação
criminal. Ninguém vai viver a vida do “OUTRO”, nem as consequências de suas
decisões.
Numa sociedade altamente carente de
desenvolvimento cultural; discriminatória (o simples olhar às vezes revela essa
discriminação, independente de palavras); desrespeitadora da vida alheia,
submeter os progenitores a tal sofrimento é uma violência não somente a eles,
mas ao ser que geraram.
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