sábado, 30 de dezembro de 2017

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 7

Abortar ou não...

Ana Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Jornalismo é assim... De vez em quando nos aparecem difíceis temas para escrever. Porque não quero só escrever para preencher espaços.
Uma grande amiga me enviou um comentário que nunca esquecerei: Você tem o dom. Não escreve. Descreve. Pinta quadros com as palavras”. Veja que enorme a minha responsabilidade de corresponder a isto! Não posso “trapacear” nem usar “chavões peneiradores”, nem conceitos pré-estabelecidos à força de uma cultura de qualquer linha.
Pois bem, hoje tenho que falar sobre algo muito difícil de comentar, porque pertence tão fortemente à interioridade de cada um, que tenho muito receio de invadir um espaço que não me pertence. Poderia talvez me “omitir”, não falar nada, eximir-me de uma resposta e assim não desagradar ninguém. Mas não é o “meu forte”.
Já recebi condecorações, mas também críticas por coisas que expressei. Nessas oportunidades às vezes me vi reforçada no meu conceito, outras vezes me vi precisando ajustá-lo em nova aprendizagem. Mas não sei me omitir... Parece que me vejo reduzida em minhas “utilidades” na vida se o fizer.
A VIDA tem para mim, como tenho certeza que para muitas pessoas, valor incalculável. A vida plena, que nos foi dada para nos tornarmos úteis a nós mesmos e ao próximo.
Costumo dizer que quem não conhece ou contradiz essa realidade, não tem possibilidades de encontrar a felicidade. Aquela que nos faz orgulharmos de nós mesmos, sem arrogância, com autenticidade, tendo a coragem de reconhecer as falhas humanas para corrigi-las.
Pois a vida/escola nos foi concedida para aprendermos e também para nos corrigirmos, nos auto-avaliarmos com coragem e fazer valer a pena viver.
A função hoje exige que eu me expresse sobre o tema do aborto. Considero-o difícil porque entendo que o mais elementar direito humano é o de nascer.
Os outros direitos, como a liberdade, educação, saúde, trabalho, justiça, cidadania - só ganham sentido se houver o ser humano para desfrutá-los. Cercear sem razões o direito à vida é negar todos os demais.
Mas quando se trata desse assunto, não posso também deixar de pensar em incalculáveis sofrimentos que são destinados às pessoas que ao gerarem um ser, por mil razões possíveis podem não ter condições de levá-las a desfrutar dos demais direitos da vida já citados, como liberdade, educação, saúde etc.
É óbvio que deveria ser dever do ser humano verificar essas possibilidades antes de concebê-lo e hoje a ciência já disponibiliza inúmeros recursos para tal.
Mas num país subdesenvolvido, de grande população sem as menores condições de uma qualidade mínima de vida, sem escola, sem saúde (obrigações básicas constitucionalmente estabelecidas, mas infelizmente não contempladas) será que podemos esperar essa capacidade de obedecer a essa lógica?
Numa análise humanística a lei não pode decidir sobre aquilo que a nação não dá direito a TODOS posteriormente. É lógico que existem nascituros cujos progenitores desconheciam a falta de condições ideais biológicas de uma vida normal do mesmo e por isso enfrentaram as dificuldades da criação com resignação, e tenho certeza, até com muita aprendizagem no processo.
Mas com a tecnologia avançada da medicina e um sistema amplo de cobertura da saúde nacional, todos poderiam fazer uma opção consciente, com conhecimento das possibilidades de qualidade de vida que terá aquele ser.
Não acredito em “legislação” que interfira sobre a interioridade de cada um. A Lei tem de decidir sobre ações que afetam a sociedade em geral, como o roubo, a corrupção, a eliminação de uma vida já estabelecida e outros fatores criminais.
Quando digo “vida já estabelecida” o faço no sentido da capacidade de pensar, agir e tomar decisões. Isto vale também sobre as situações incontáveis de violência a uma criança submetida à violência do estupro, ou mesmo conduzida a uma maternidade que não poderá sustentar.
Respeitemos as decisões dessas pessoas, sobre se devem ou não abortar.
A opção tem de ser de livre arbítrio, de acordo com valores de cada um e o real conhecimento das consequências em si mesmo. Não pode uma página fria de um papel, nem a dura caneta de um legislador invadir a interioridade e os sentimentos humanos de alguém que só ele mesmo sustentará.
E qualquer que seja a opção, que seja destituído de crítica, discriminação ou qualquer forma de conceituação criminal. Ninguém vai viver a vida do “OUTRO”, nem as consequências de suas decisões.
Numa sociedade altamente carente de desenvolvimento cultural; discriminatória (o simples olhar às vezes revela essa discriminação, independente de palavras); desrespeitadora da vida alheia, submeter os progenitores a tal sofrimento é uma violência não somente a eles, mas ao ser que geraram.

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