Homem: o supremo palhaço da criação
Henry Mencken, jornalista e
crítico social norte-americano (1880-1956) in Livro dos Insultos (1919)
A velha
noção antropomórfica de que todo o universo se centraliza no homem – de que a
existência humana é a suprema expressão do processo cósmico – parece galopar
alegremente para o baú das ilusões perdidas.
O fato é que a vida do homem, quanto mais
estudada à luz da biologia geral, parece cada vez mais vazia de significado. O
que no passado deu a impressão de ser a principal preocupação e obra-prima dos
deuses, a espécie humana começa agora a apresentar o aspecto de um subproduto
acidental das maquinações vastas, inescrutáveis e provavelmente sem sentido
desses mesmos deuses.
(...) De fato, hoje, a teoria
antropomórfica ainda é mais adotada do que nas eras de obscurantismo, quando a
doutrina de que um homem era um quase deus foi no mínimo aperfeiçoada pela
doutrina de que as mulheres eram inferiores.
Uma por uma, todas essas tolices são
baseadas na noção de que o homem é um animal glorioso e indescritível, e que
sua contínua existência no mundo deve ser facilitada e assegurada. Mas esta
ideia é obviamente uma estupidez.
No que se refere aos animais, mesmo num
espaço tão limitado como o nosso mundo, o homem é tosco e ridículo. Poucos
bichos são tão estúpidos ou covardes quanto o homem.
As formigas e abelhas são mais inteligentes
e engenhosas; gerem os seus sistemas de governo com muito menos confusões,
desperdícios e imbecilidades. O leão é mais bonito, digno e majestoso. O
antílope é infinitamente mais rápido e gracioso.
O gorila é mais gentil com os seus filhos e
mais fiel à companheira.
Mas, acima de tudo, o “homem é
deficiente em coragem”, talvez a mais nobre de todas as qualidades.
Nenhum outro animal é tão incompetente para
se adaptar ao seu próprio ambiente.
A criança, quando vem ao mundo, é tão
frágil que, se for deixada sozinha por aí durante alguns dias, infalivelmente
morrerá, e essa enfermidade congênita, embora mais ou menos disfarçada depois,
continuará até a morte.
O homem adoece mais do que qualquer outro
animal, tanto no seu estado selvagem quanto abrigado pela civilização.
Sofre de uma variedade maior de doenças e
com maior frequência. Cansa-se ou fere-se com mais facilidade.
Finalmente, morre de forma horrível e
geralmente mais cedo.
Praticamente todos os vertebrados
superiores, pelo menos no seu ambiente selvagem, vivem e retêm as suas
faculdades por muito mais tempo.
Mesmo os macacos antropóides estão bem à
frente dos seus primos humanos.
Um orangotango casa-se aos sete ou oito
anos de idade, constrói uma família de setenta ou oitenta filhos, e continua
tão vigoroso e sadio aos oitenta quanto um europeu de 45 anos.
Todos os erros e incompetências do que se
chama de Criador chegaram ao seu clímax no homem.
Como peça de um mecanismo, o homem é o pior
de todos; comparados com ele, até um salmão ou um pássaro são máquinas sólidas
e eficientes.
O homem transporta os piores rins
conhecidos da zoologia comparativa, os piores pulmões e o pior coração.
Os seus olhos, considerando-se o trabalho a
que são obrigados a desempenhar, são menos eficientes do que o olho de uma
minhoca.
(...) Vou chegar agora a um ponto de
inquestionável superioridade natural do homem: ele tem alma. É isto que
o separa de todos os outros animais e o torna, de certa maneira, senhor deles.
A exata natureza de tal alma seria a de fazer o homem entrar em contato direto
com um deus, torná-lo consciente de um deus e, principalmente, torná-lo
parecido com um deus. Consideremos o “colossal fracasso” dessa
tentativa.
Se presumirmos que o homem realmente se
parece com um deus, somos levados à inevitável conclusão de que esse “deus é
um covarde, um idiota e um patife”.
E, se presumirmos que o homem, depois de
todos esses anos, não se parece com um deus, então fica claro imediatamente que
a alma é uma máquina tão ineficiente quanto o fígado ou as amídalas, e que o
homem poderia passar sem ela.
O único efeito prático de se ter uma alma é
que ela infla no homem vaidades antropomórficas e antropocêntricas – em suma,
com superstições arrogantes e presunçosas. Ele se empertiga e se empluma só
porque tem alma – e subestima o fato de que ela não funciona. Assim, ele é o “supremo
palhaço da criação”, o reductio ad “absurdum” da natureza
animada.
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