A TERCEIRA MARGEM DAS RELAÇÕES
HUMANAS
Ana
Maria Leandro – Belo Horizonte/MG
Entrou em disparada escola adentro (a mesma
escola, que por tantas vezes entrara para buscar o conhecimento) e começou a
atirar a esmo.
Cegamente, como se não quisesse matar ninguém
especificamente, mas ao mesmo tempo quisesse exterminar a todos.
Deixou nove feridos em sua sanha de destruição e depois
invadiu a área de serviço, sob o olhar incrédulo da zeladora, que
implorava piedade.
Neste momento voltou lentamente o revólver para a própria
cabeça e atirou. Acabou com uma vida de dezoito anos. Suspeita-se que o motivo
foi complexo de inferioridade, pela obesidade!
Na obra de Guimarães Rosa - “A terceira margem do rio” – pode-se inferir a procura insana
de um personagem por uma margem onde a dureza da vida é feita apenas pela
natureza, não pelos desencontros humanos.
Aliás, estes ele não queria encontrar, motivo de sua opção de
viver em uma canoa no meio do rio.
Na metáfora da vida, podemos dizer que a terceira margem das
relações humanas é um local que exige o esforço de cada um, em sair de sua
respectiva margem, para um encontro no meio, onde se possa estabelecer um
diálogo navegável com o outro.
A famosa “solidariedade”
que as pessoas parecem querer mostrar tão ostensivamente nas situações de
calamidade pública, não se manifesta, entretanto, no dia a dia, nem mesmo nas
relações próximas.
Os preconceitos em relação à estética, raça e outros
aspectos, não pesariam tanto nas pessoas, se deixássemos nossas confortáveis
margens, para aceitá-los como são.
O caso real que inicia esta matéria evidencia uma situação de
extremo distúrbio psicoemocional pela gravidade da culminância.
Mas sempre devemos nos perguntar, até que ponto um ser humano
não cultiva anos a fio uma infelicidade, por se sentir rejeitado ou
discriminado por um grupo.
Frases irônicas, brincadeiras humilhantes, apelidos e outras
tantas maneiras “sutis” de abordar uma diferença, são ferramentas perversas,
que baixam a autoestima de um ser humano e o fazem sentir-se desamado, ou até
mesmo sem interesse de viver.
Mostrar-se “bom e solidário”, para que todos batam palmas é
fácil, mesmo porque infelizmente, existem pessoas que assim procedem, apenas
para sentirem um sentimento de “superioridade” sobre o outro “coitado”.
Ser capaz de colaborar com a felicidade do próximo, sem que
ninguém nem mesmo perceba, é, sobretudo uma manifestação de grandeza
espiritual.
Às vezes, basta uma palavra de incentivo, um convívio de
respeito e compartilhamento, para que o outro se sinta confortável e até com
mais forças, para vencer suas próprias dificuldades.
Somos seres em processo de evolução e como tal temos
imperfeições. Na busca de aperfeiçoamento, precisamos desenvolver valores,
que nos fortifiquem na aceitação do que somos.
Isto por si só, já elimina os complexos e as dificuldades de
autoaceitação. Mas é também nosso papel, auxiliarmos aqueles que encontram mais
dificuldades para este ajuste.
Negar auxílio para quem necessita de uma palavra de afeto, ou
de um gesto de aceitação, é tão grave quanto negar água a quem tem sede.
Busquemos a terceira margem da vida, seja na
convivência com nossos pares, no trabalho, nas amizades, ou com nossos
semelhantes em geral.
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