sábado, 31 de janeiro de 2015

HUMANITAS Nº 32 – FEVEREIRO DE 2015 – PÁGINA 6

Mesa de bar é o lugar mais democrático que existe
Rafael Rocha – Recife/PE

Vamos sentar nossos corpanzis nas cadeiras. Ponham à mesa. Sentemo-nos ao redor dela. O bar está aberto. Sejam bem-vindos! Querem beber o quê? Brahma? Antártica? Skol? Uísque? Vodca? Cachaça? Temos de tudo! E tira-gostos os mais variados. Podem falar alto. Podem gritar. Podem discutir sobre futebol, política, cinema, música, literatura, mulher... Tudo ao gosto de cada cliente.
No bar quem manda é o freguês. ainda que o dono e a dona do bar tenham, na realidade, a última palavra quando se trata de “colocar no prego” o consumo do dia... Pensem nisso! E pensem também que é na mesa do bar que a vida entra em paroxismo. É da mesa de bar que a morte foge como o diabo da cruz, ainda que muitos tenham entrado em contato com ela por infelicidade ou azar. Como dizia Gonzaguinha: “Mesa de bar é lugar para tudo que é papo da vida rolar”.
Nada de medo! Bêbados são os amigos reais do mundo imaginário onde o deus Dionísio comanda as ideias. Mas nada de falar de coisas coerentes. Mesa de bar é lugar onde o incoerente comanda a vida e esta se envolve com todos os tipos de fantasias e magias.
Na mesa de um bar / todo mundo é sempre maior / todo mundo derrama as tintas da sua alegria / copos batendo na festa da rapaziada / se bem que a gente não esquece / que a barriga anda meio vazia.
E não custa nada lembrar agora o amigo Jota que já tinha bebido mais de vinte garrafas de cerveja e, no auge da bebedeira, decidiu ir para outro bar. Claro, um bom bebedor é assim, quando decide, faz e pronto! Mas quando ele foi se levantar da cadeira caiu de cara no chão. Tentou se levantar e caiu de novo.
Pobre Jota! A farra tinha sido pesada! Mas ele era corajoso. Rastejou até a porta do bar que já estava prestes a fechar. Quem sabe, pensou Jota, se tomando um ar fresco ele conseguisse erguer o corpo e ir para o outro bar ao lado? Esperou um pouco, tentou se levantar e caiu de novo.
A partir daí começou a rastejar. Pelo menos isso ele conseguiu. Foi rastejando pela rua com a cabeça cheia de ideias etílicas para falar/conversar com os amigos no outro bar. Mas viu que isso seria impossível. Então teve uma ideia brilhante: resolveu desistir do outro bar e ir pra casa já que não conseguia nem andar.
Depois de rastejar dois quarteirões chegou em casa. Pensou que poderia erguer o corpo agora. Que nada! Desabou de novo! Mas, corajosamente, rastejando, entrou em casa e conseguiu alcançar a cama. Acordou na manhã seguinte com a sua mulher dando uma tremenda bronca:
- Bonito, hein?! Bebendo novamente na rua até tarde!
- Quem disse isso? - perguntou ele, com olhar inocente.
- Ligaram do bar – respondeu a mulher - e o dono disse que você esqueceu a cadeira de rodas lá. Outra vez!
Histórias iguais a essa do Jota são contadas e recontadas em toda mesa de bar. Quem escuta termina rindo e quem conta imagina ser um grande “contador de causos”.
Pois, se formos sinceros, a mesa do bar “é lugar para tudo que é papo da vida rolar”.
A mesa de bar reúne a fina flor da boêmia e todos os que participam dela sabem tudo da vida. São filósofos inveterados. E quando encontramos uma mesa de bar com alguns velhinhos jogando dominó aí é que sabemos dar valor ao lugar. Se tais pessoas entre os 70 e 80 anos sentam-se a uma mesa de bar para jogar dominó é porque o bar e essa mesa é tal qual como disse o Gonzaguinha: “Coração fantasia e realidade / É o ideal paraíso / onde nós fica à vontade”.
Uma mesa de bar é uma regalia, ainda que algumas pessoas não entendam isso. Ficar cercado de garrafas de cerveja e mergulhado junto aos comparsas nas mais variadas discussões de botequim, fofocando sobre os outros e metendo o pau nos políticos é um luxo. Mais do que isso é um privilégio. Uma dádiva da democracia.
Falar livremente de forma a ser ouvido em todas as outras mesas, gesticular e filosofar sobre a vida, o futebol, as mulheres, a música, a política é algo que apenas um sistema democrático permite.
“Mesa de bar é onde se toma um porre de liberdade / Companheiros em pleno exercício de democracia”.

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