Mesa de bar
é o lugar mais democrático que existe
Rafael Rocha – Recife/PE
Vamos sentar nossos corpanzis nas cadeiras. Ponham à mesa. Sentemo-nos
ao redor dela. O bar está aberto. Sejam bem-vindos! Querem beber o quê? Brahma?
Antártica? Skol? Uísque? Vodca? Cachaça? Temos de tudo! E tira-gostos os mais
variados. Podem falar alto. Podem gritar. Podem discutir sobre futebol,
política, cinema, música, literatura, mulher... Tudo ao gosto de cada cliente.
No bar quem manda é o freguês. ainda que o dono e a dona do bar tenham,
na realidade, a última palavra quando se trata de “colocar no prego” o consumo do dia... Pensem nisso! E pensem
também que é na mesa do bar que a vida entra em paroxismo. É da mesa de bar que
a morte foge como o diabo da cruz, ainda que muitos tenham entrado em contato
com ela por infelicidade ou azar. Como dizia Gonzaguinha: “Mesa de bar é lugar para tudo que é papo da vida rolar”.
Nada de medo! Bêbados são os amigos reais do mundo imaginário onde o
deus Dionísio comanda as ideias. Mas nada de falar de coisas coerentes. Mesa de
bar é lugar onde o incoerente comanda a vida e esta se envolve com todos os tipos
de fantasias e magias.
Na mesa de um bar / todo mundo é
sempre maior / todo mundo derrama as tintas da sua alegria / copos batendo na
festa da rapaziada / se bem que a gente não esquece / que a barriga anda meio
vazia.
E não custa nada lembrar agora o amigo Jota
que já tinha bebido mais de vinte garrafas de cerveja e, no auge da
bebedeira, decidiu ir para outro bar. Claro, um bom bebedor é assim, quando
decide, faz e pronto! Mas quando ele foi se levantar da cadeira caiu de cara no
chão. Tentou se levantar e caiu de novo.
Pobre Jota! A
farra tinha sido pesada! Mas ele era corajoso. Rastejou até a porta do bar que
já estava prestes a fechar. Quem sabe, pensou Jota, se tomando um ar fresco ele
conseguisse erguer o corpo e ir para o outro bar ao lado? Esperou um pouco,
tentou se levantar e caiu de novo.
A partir daí
começou a rastejar. Pelo menos isso ele conseguiu. Foi rastejando pela rua com
a cabeça cheia de ideias etílicas para falar/conversar com os amigos no outro
bar. Mas viu que isso seria impossível. Então teve uma ideia brilhante:
resolveu desistir do outro bar e ir pra casa já que não conseguia nem andar.
Depois de
rastejar dois quarteirões chegou em casa. Pensou que poderia erguer o corpo
agora. Que nada! Desabou de novo! Mas, corajosamente, rastejando, entrou em
casa e conseguiu alcançar a cama. Acordou na manhã seguinte com a sua mulher
dando uma tremenda bronca:
- Bonito,
hein?! Bebendo novamente na rua até tarde!
- Quem disse
isso? - perguntou ele, com olhar inocente.
- Ligaram do
bar – respondeu a mulher - e o dono disse que você esqueceu a cadeira de rodas
lá. Outra vez!
Histórias
iguais a essa do Jota são contadas e recontadas em toda mesa de bar. Quem
escuta termina rindo e quem conta imagina ser um grande “contador de causos”.
Pois, se
formos sinceros, a mesa do bar “é
lugar para tudo que é papo da vida rolar”.
A mesa de bar reúne a fina flor da boêmia e
todos os que participam dela sabem tudo da vida. São filósofos inveterados. E
quando encontramos uma mesa de bar com alguns velhinhos jogando dominó aí é que
sabemos dar valor ao lugar. Se tais pessoas entre os 70 e 80 anos sentam-se a
uma mesa de bar para jogar dominó é porque o bar e essa mesa é tal qual como
disse o Gonzaguinha: “Coração fantasia e
realidade / É o ideal paraíso / onde nós fica à vontade”.
Uma mesa de bar é uma regalia, ainda que algumas
pessoas não entendam isso. Ficar cercado de garrafas de cerveja e mergulhado
junto aos comparsas nas mais variadas discussões de botequim, fofocando sobre
os outros e metendo o pau nos políticos é um luxo. Mais do que isso é um
privilégio. Uma dádiva da democracia.
Falar livremente de forma a ser ouvido em
todas as outras mesas, gesticular e filosofar sobre a vida, o futebol, as
mulheres, a música, a política é algo que apenas um sistema democrático
permite.
“Mesa de bar é onde se toma um
porre de liberdade / Companheiros em pleno exercício de democracia”.
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