quarta-feira, 28 de novembro de 2018

HUMANITAS Nº 78 - DEZEMBRO DE 2018 - PRIMEIRA PÁGINA

A CELEBRAÇÃO PELA ARTE DOS PRAZERES TEMPORAIS DA VIDA

A arte de Pierre Auguste Renoir, cuja morte completará 100 anos em 2019, celebra os prazeres temporais da vida e o “momento atual” de sua época, muito mais do que outros impressionistas. Seus retratos habilidosos das expressões faciais de seus retratados mostram o espírito jovem e o charme íntimo.
Suas representações de cores luminosas, pinceladas habilidosas, variações entre luz e cor trabalharam juntas para criar uma sensualidade íntima que o transformou em um dos líderes do movimento impressionista.
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Leia na PÁGINA 7 o artigo da renomada jornalista mineira Ana Maria Ferreira Leandro
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Um dos especiais do Humanitas na PÁGINA 5 disserta sobre o holocausto de Winston Churchill
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Mais informações sobre o artista plástico Pierre Auguste Renoir na PÁGINA 8
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Na PÁGINA 2, o médico Antônio Carlos Gomes, Santos/SP, diz que o homem é um animal predador da maior escala

HUMANITAS Nº 78 - DEZEMBRO DE 2018 - PÁGINA 2

 
  EDITORIAL
Final de ano

Estamos chegando ao final de mais um ano e aqui renovamos nossas esperanças de que o ano de 2019 seja melhor.
Neste final de 2018, graças aos nossos colaboradores e articulistas, todos nós do Humanitas nos sentimos felizes por continuarmos trazendo para nossos leitores conhecimentos culturais e humanos dos mais variados.
Sabemos como é problemático manter este pequeno jornal em plena atividade o que não é uma tarefa fácil pois depende de ajuda das pessoas, da confiança dos articulistas e dos leitores como parceiros na vida.
Essa parceria é uma tarefa fundamental para a construção do conhecimento cultural/científico.
Por isso consideramos que neste ano que se encerra nossa luta foi gratificante graças aos leitores, articulistas e colaboradores financeiros.
Todos estão complementados em unidade, de forma voluntária, o que, diga-se de passagem, é uma atitude louvável, e permanecem empenhados em fornecer dentro do tempo e das possibilidades financeiras de cada um a ajuda inestimável para que o Humanitas exista.
Nossos sinceros votos de boas festas aos que fazem parte de nosso corpo editorial bem como aos leitores.
Pulemos por sobre as ondas do pessimismo e estruturemos nossas metas para 2019 e que possamos nesse ano que começa renovar nossas esperanças e confiança em um mundo melhor.
Mesmo que não façamos promessas vamos abraçar os amigos, curtir a vida e trabalhar sempre pelo melhor para que o ano de 2019 seja um ano cheio de conquistas e realizações.
E que todos tenham uma boa leitura deste Humanitas.

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Indignação
Antonio Carlos Gomes – Guarujá/SP

Hoje, cada moita de capim que se arranca para fazer uma edificação me agride, cada animal que se abate ou se caça me indigna, cada bomba que se arremessa me desestrutura.
Quem somos nós para ultrapassar nossas necessidades? Qual programa televisivo teve o descaramento de mostrar, justo a este ser destruidor, que ele era o centro do universo, e que todo este espaço, dos quais nada entendemos e não conseguimos nem tampouco imaginar, está ao nosso exclusivo dispor?
Lembrem: Tudo começou numa junção de aminoácidos num ambiente sombrio. Um mundo em ebulição, em formação, com seus vulcões com suas lavas e um novo oceano. Uma vibração gigantesca e o inorgânico num acaso torna-se orgânico. É o que diz a ciência.
No continuo cientifico dessa formação, estes seres não celulares necessitavam de apenas duas coisas, um local e sua alimentação (a ciência pode deduzir, mas não esclarecer qual). Criaram um invólucro e necessitaram se agrupar para não mais andar ao sabor do mar. Sua reprodução por brotamento ou mitose só aí passou a sexuada.
Segundo a evolução foi esse processo que tornou coberto de verde os mares e a terra. Só depois de esverdear o planeta é que foi possível a vida aos seres móveis e à continuidade evolutiva. Após bilhões de anos chegou ao homem.
Este transformou os instintos em afetos. Negou veementemente que conservasse tantos instintos, mesmo com a história da humanidade que nos é conhecida desmentindo.  Não houve um dia sem guerra, nem um dia sequer que um homem não matasse outro homem; de preferência separando a cabeça do corpo.
Dos dois instintos iniciais, fixação e reprodução, a necessidade de manutenção da espécie precisou de acasalamento e criamos o amor, que negamos como instinto, mas o disputamos e, pior ainda, ocasionalmente matamos a fêmea, coisa que os animais não são tão retardados a ponto de fazê-lo. Este instinto de vida, com Eros se apoiando nele é o homem de hoje, que se comunica pela fala e se acha dono de tudo.
Pergunto: De quê o homem é dono? O mundo existiria sem o homem? A resposta é muito clara. De nada somos donos e o planeta não depende de nós. Aliás, somos apenas um micro piolho dando imperceptível irritação no couro cabeludo do planeta Somos apenas intrusos e não o centro da criação.
Não temos direito de destruição. Não temos direito de usar mais do que nos é necessário. Não temos direito de soltar bombas e perfurar o solo para tirar elementos que não são nossos. Somos apenas invasores atrevidos.

HUMANITAS Nº 78 - DEZEMBRO DE 2018 - PÁGINA 3

Refúgio Poético – Cartas dos Leitores – Teste de Xadrez

Ida e objeto
Antonio Carlos Gomes
Guarujá/SP
Homenagem a Francisco Costa
                                 
O objeto é único
Também infinito.
Cada um faz sua história
Com o mesmo objeto.
Cada humano é uma história
Um filme
Um movimento
Com objetos iguais
Mas sempre diferentes,
Quando olho uma foto
Um vaso
Um vaso na sala
Com rosas dispostas
A se mostrar,
A foto difere da imagem,
Difere das rosas que vejo
Minhas rosas têm minha história
A foto, história do artista
E a moça que as arrumou
Conta outra fantasia.
Há infinitas histórias
Infinitos objetos
No mesmo objeto.
O filme da vida é único
Em cada objeto vivente
E com ele acaba.

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FUI TE DESPINDO
Dulce Maria Loynaz
(1902/1997) Havana/Cuba
Tradução de Alai Garcia Diniz

Fui despindo você de você mesmo,
de seus "vocês" superpostos que a vida
te cingiu ...

Te arranquei a casca - inteira e dura –
que parecia fruta, que tinha
a forma da fruta.

E diante do vago assombro de seus olhos
surgiu você com olhos ainda velados
de sombras e assombros ...

Surgiu você de você mesmo, da mesma
sombra fecunda - intacto e desgarrado
em alma viva ...
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CARTAS DOS LEITORES

Parabéns ao Humanitas pelas poesias e pelos bons artigos culturais e humanos. Eloide da Costa Cavalcanti – Maceió/AL
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Resultado do teste de xadrez do mês de novembro de 2018:
Jogam brancas e ganham: Ce8

HUMANITAS Nº 78 - DEZEMBRO DE 2018 - PÁGINA 4

A boneca de Zizi (conto)
- Republicação -
Valdeci da Silva Ferraz é escritor e advogado. Atua na cidade do Recife/PE

Com cinco anos Zizi sonhava com uma boneca.
Uma boneca grande, que revirasse os olhos, que chorasse um choro de boneca.
A mãe de Zizi era costureira. Zizi sonhava com a boneca usando um vestidinho feito pela mãe. Tinha até lhe dado um nome: Lili.
Zizi passava horas no quintal brincando com sua boneca imaginária, conversando sozinha, arrumando o quarto de Lili.
Recusara as bonecas de pano feitas pela mãe. “Só você Lili, deitará nessa cama para dormir ouvindo o vento assobiar nas árvores”, dizia ela esticando os lençóis.
A mãe olhava de longe, embevecida. Lastimava não poder realizar o sonho da filha.
Com a chegada do natal, Zizi viu a possibilidade do seu sonho se realizar. Pediu à mãe que fizesse uma carta para o bom velhinho.
A costureira sorriu com ternura e logo se pôs a escrever, escondendo os olhos lacrimejantes.
- Pronto, minha querida! Já fiz a sua carta, seu pai hoje mesmo vai levar para o correio. Agora é só esperar a noite de natal e colocar a meia na janela.
- Mas a minha meia é pequena, não vai caber a Lili - explicou a menina, arregalando os olhos.
- Não se preocupe. Papai Noel sabe o que você quer.
No dia 24 de dezembro a mãe de Zizi recebeu de algumas clientes o pagamento por algumas costuras feitas. Chamou o marido e falou:
- Zé, faz um favor, vai na lojinha de Vino e compra uma boneca, mas não deixe Zizi saber de nada.
- Eu não entendo de boneca. É melhor você ir.
- Ainda tenho algumas costuras para terminar. Não posso ir. Com esse dinheiro pegue a maior boneca que tiver.
O marido contou o dinheiro.
- Com essa quantia só boneca de pano – resmungou, procurando o boné.
Zizi achou o sol preguiçoso naquele dia de natal. Mal as sombras desceram dos montes ela correu para a janela. O pai ajudou-a a prender a meia.
- Mas não é debaixo da cama que se coloca? – perguntou ele à menina.
- Mamãe disse que os meninos é que colocam debaixo da cama. Menina deve botar a meia na janela, assim Papai Noel não se confunde.
Naquela noite Zizi demorou a adormecer. Pelo vidro da janela ela via as estrelas no céu e as nuvens parecendo campos de neve. Ela imaginava o velhinho descendo com seu saco cheio de brinquedos. Mal os raios do sol clarearam a manhã correu para a janela. Com o coração aos pulos examinou a meia. Lá estava a boneca, mas não era Lili. Seu rosto se contorceu como se tivesse sido atingido por um grande beliscão. Uma boneca de pano pequena, de braços e pernas duras, olhos desenhados, sem vida, imóveis.
Deitou-a e nenhum som se ouviu.
Não, aquela não era a boneca que havia pedido. Papai Noel deve ter se enganado. Chorando correu para o quarto dos pais.
- Mamãe! Veja o que Papai Noel me trouxe! Não é a Lili! Eu quero Lili!
- Não chore - consolou a mãe - Seu Papai Noel é pobre. Vai ver que só tinha essa boneca e foi o melhor que ele pôde fazer. Para o ano, quem sabe, ele não traz a sua Lili. Zizi saiu confusa, segurando a boneca pelas pernas. Então seu Papai Noel era pobre? Devia existir um Papai Noel rico. Por que não haviam lhe dito? Se ele é pobre nunca vai trazer uma boneca como a Lili.
Ela se lembrou das outras crianças do bairro e viu que seus brinquedos eram de um Papai Noel pobre.
Será que eles sabem disso e por isso não sonham com coisas grandes?
Teria ela que abandonar seu sonho e se contentar com aquela mixuruca de boneca? Devia confiar na mãe e continuar sonhando com Lili?
Caminhou então até o fundo do quintal e desarrumou a cama de Lili.
Apanhou uma caixa de sapato e deitou a boneca que havia ganhado, cobriu-a com flores e guardou debaixo da cama.
Nunca mais falou o nome de Lili.

HUMANITAS Nº 78 - DEZEMBRO DE 2018 - PÁGINA 5

O holocausto de Winston Churchill
Especial do Humanitas

Os nazistas de Hitler mataram cerca de 6 milhões de judeus. Stalin, na Rússia, matou entre 25 e 27 milhões de pessoas.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Spencer Churchill, um dos mais venerados estadistas do século passado, também tem a sua cota de mortos, com o assassinato pela fome de mais de 5 milhões de seres humanos na Índia.
Num livro intitulado “Churchill’s Secret War”, Madhusree Mukerjee, estudiosa que já pertenceu ao conselho de editores da Scientific American, denuncia o desvio de alimentos que Churchill fez de Bengala, região indiana empobrecida pelas políticas segregacionistas da administração britânica.
Enquanto se amontoavam os mortos nas ruas, Winston dizia para o secretário de Estado para a Índia, Leopold Amery: “Odeio indianos” e a fome é culpa deles porque “se reproduzem como coelhos”.
Tudo começou quando o governo de Londres, por ordem do primeiro-ministro, requisitou todo o arroz e outros demais alimentos em Bengala, na Índia, para levá-los para o médio oriente e Egito, onde se posicionava o grosso das tropas britânicas que naquela época tentavam duramente defender o canal de Suez dos exército italiano e alemão.
Aqueles que podiam se opor a essa ordem foram sumariamente silenciados.
Todas as suas organizações políticas e sociais foram dissolvidas entre o verão e o outono de 1942.
Mahatma Gandhi e Jjawaharlal Nehru e todos os mais altos integrantes do partido do congresso indiano que reclamavam a independência do seu país do domínio inglês, incluindo os pacifistas, foram presos.
Como resultado, houve uma série de protestos e rebeliões que acabaram por ser esmagados com violência.
Em poucas semanas os britânicos executaram 2.500 pessoas e fizeram prisioneiros a mais 66 mil.
Dezenas de milhares de famílias morreram de fome dentro das suas casas.
Outras pessoas preferiram ir para a rua e fraquejar na via pública à vista de todo o mundo.
As aldeias e cidades foram se enchendo de cadáveres putrefatos e sem recolher, o que aumentava ainda mais os riscos de ocorrência de doenças tais como cólera, tifo e disenteria, que se expandiram sem controle levando milhares de vidas.
Já se sabia que Churchill não tinha em grande conta a vida humana. Apenas a três meses do fim da II Guerra Mundial, quando a Alemanha já estava militarmente sem forças, ele ordenou, com o auxílio norte-americano, o criminoso massacre aéreo de Dresden, no qual pereceram 250 mil civis sob o efeito devastador das bombas de fósforo.
A catástrofe humanitária na Índia atingiu tal proporção que o próprio vice-rei da Índia, o inglês Lord Wavell, considerou a atitude de Churchill como negligente, hostil e desdenhosa”.
Em seu livro War of Civilisations: India AD 1857 (Guerra de Civilizações: Índia 1857), e historiador Amaresh Misra diz que houve um “holocausto não informado” pela história, e que causou a morte de mais de 10 milhões de pessoas durante uma década, com início em 1857. A Grã-Bretanha era a superpotência mundial.
Fatos assim obrigam a uma verdadeira revisão da historiografia oficial, que tem preservado alguns dos abomináveis crimes cometidos durante a guerra. “Foi um holocausto onde milhões de pessoas simplesmente desapareceram”, acrescenta o historiador. Para ele, do ponto de vista britânico, um holocausto foi necessário, pois a Grã-Bretanha acreditava que a única maneira de ganhar era assassinando populações inteiras em cidades e vilas.
   “Foi simples e brutal. Os indianos que se meteram no caminho foram assassinados, mas as proporções desses crimes ficaram mantidas em segredo”, diz o escritor e historiador Amaresh Misra.

HUMANITAS Nº 78 - DEZEMBRO DE 2018 - PÁGINA 6

Viver: que ato mais ilógico e insano será esse?
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

Tenho dito em várias ocasiões que em dias abafados, como os que ocorrem no litoral da Bahia, quando uma inesperada tormenta ameaça cair, sem que isso se concretize... em dias em que o calor se faz opressivo... em que o ar se faz pesado e o ato de respirá-lo se torna fatigoso... sou dado a praticar ocultas filosofias – daquelas, talvez, “que nenhum Kant escreveu” –, das que se aproximam bastante da metafísica.
No entanto, sou obrigado a reconhecer que não são dignas daquelas comuns aos grandes mestres, pois são mais próximas da chã filosofia daqueles que buscam (como eu), desesperadamente (mas em vão), uma explicação para esse ato insano que é viver.
Mais além de que ele, o ato de viver, seja muito perigoso, vejo-o também bastante desprovido de sentido lógico, ademais de ser totalmente carente de espírito lúdico.
E, não raro, pergunto-me: quando realmente se começa a viver?
No ato da concepção, como querem alguns religiosos?
Quando se vem à luz?
À luz baça das salas de parto das modernas maternidades ou do turvo recanto do tugúrio onde nascem os pobres?
Ou seria quando se recebe aquela palmada na bunda?
Quando se atinge a idade adulta?
E essa última interrogação nos leva fatalmente à outra: quando é mesmo que se atinge essa idade?
A vida (ou o ato de viver) é algo tão insensato que quando se sai da infância e se caminha para a idade adulta o jovem, amiúde, enlouquece completamente.
É a famosa adolescência, quando se cometem os mais completos desatinos.
Quando são ensaiados os primeiros atos relacionados com aquilo que chamamos (ou imaginamos ser) amor.
Ocasião em que, quase sempre, se toma as atitudes mais absurdas, algumas próxima à demência, como se estivesse antevendo que o que vem pela frente será terrível.
Aliás, quando digo que “o que vem pela frente será terrível”, não estou usando apenas força de expressão.
Se a passagem da infância para a fase mais adulta da vida é sempre pontilhada de quase tragédias, a vida madura (ainda que não tenha muita certeza em que momento isso ocorre e o que vem a ser isso) é também repleta de surpresas nem sempre agradáveis.
De desencontros; de tropeços e de constantes levantar e partir em busca de novos equilíbrios, mas, quase sempre, indo-se ao chão novamente. Isso, porém, já é a velhice e esta é uma tragédia patética e sem volta. Como é difícil – oh, infernos! – envelhecer.
Principalmente é difícil envelhecer – sem envilecer – quando se sente a falência dos músculos e se continua sentindo o vigor dos desejos que nos extravasa do coração. E, embora o coração não esteja murcho, outras partes do corpo – mais úteis e prazerosas de se usar – estão irremediavelmente mortas. Não se enganem os desavisados, isso nada tem a ver com essa falácia de “espírito jovem”.
De que serve ter esse “espírito jovem” se já não se tem vigor físico para sustentá-lo?
Quando se diz que se é jovem de espírito ou se está enganando ou se está confundindo (no caso, a si próprio).
Porque isso é apenas o desejo que nos arde no coração, sonhando com o vigor de órgãos e músculos que nos abandona inexoravelmente.
Como é doloroso se desejar amar e já não ter vigor para fazê-lo...
Que não me venham com compensações do tipo “o coração não envelhece”, porque aí reside a maior das desgraças.
Porque se o coração envelhecesse, pari passu, com os demais órgãos, em particular, com os outros músculos – e mui especialmente, aqueles ligados ao sexo – a velhice não seria a desgraça tão desgraçada que é.

HUMANITAS - Nº 78 - DEZEMBRO DE 2018 - PÁGINA 7

Um Feliz Você Novo...
Ana Maria Ferreira Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Era um fim de ano e eu atuava na direção de uma escola. Uma chuvinha passageira, típica mensagem de um sol escondido atrás de nuvens cessava lentamente. Súbito, o sol brilhante e penetrante surgiu por trás de nuvens contornadas pelo brilho dos raios. Um maravilhoso e multicolorido arco-íris se projetou na abóbada celeste, parecendo tão próximo como se possível fosse alcançá-lo.
No pátio coberto da escola cercado por grandes colunas, que davam passagem para a área externa, as crianças batiam palmas e gritavam extasiadas, pois o arco-íris é sempre para elas um motivo de festa!
Percebi então um garotinho quietinho, assentado no primeiro degrau da escadaria, pensativo a olhar, surpreendentemente com tristeza, o fenômeno natural. Aproximei-me cautelosa, com medo de interromper uma divagação interior, que ele não quisesse dividir e assentei-me ao seu lado. Mas ele, tirando os olhos do infinito, fitou-me perguntando:
- É verdade que a felicidade está no fim do arco-íris?
Surpreendi-me com a pergunta! Não era próprio de sua idade colocar a felicidade em um ponto, como algo móvel.
Sem lhe responder de imediato, querendo sondar melhor o fundamento de sua pergunta, retruquei-lhe com outra pergunta cautelosa:
- Por que você quer saber isto, meu bem?
- Para ir até lá e buscá-la para minha mãe. Ela disse que a vida é muito ruim e que ela nunca conheceu a felicidade.
Um aperto amargo perpassou-me o peito. Fiquei a me perguntar que direito tinha um adulto de transferir a uma criança, o compromisso (inconscientemente assumido) de lhe trazer a felicidade?
Tomei-lhe as mãozinhas miúdas entre as minhas e respondi:
- Querido, a felicidade não está no fim do arco-íris. Muito embora, vê-lo, já possa ser uma forma de felicidade. O simples de querer fazer feliz sua mãe feliz, já poderia ser para ela uma forma de felicidade; embora talvez, ela ainda não se tenha dado conta disto. Assim é a felicidade; está em todos os lugares, e ao mesmo tempo não está em lugar algum. Sua mamãe precisa encontrar a felicidade dela onde ela estiver da forma como ela quer e acredita.
Não me esqueço do episódio já citado em outras obras minhas, porque me surpreende como os adultos conseguem transferir para episódios fora de seus controles, o poder de ser ou de não ser feliz.
E uma passagem de ano é sempre um fato vivido como se a vida pudesse se alterar pela simples virada de um calendário civil.
Existem indícios que mesmo em eras pré-históricas, alguns homens já se preocupavam em marcar o tempo.
Há cinco mil anos, os antigos sumérios tinham um calendário bem parecido com o nosso, com um ano dividido em 12 meses de 30 dias, o dia em 12 períodos e cada um desses períodos em 30 partes.
O calendário civil foi feito pelo homem e, claro, não o inverso.
Não foi o calendário que fez as etapas de sua história, mas sim o que você registrou nesse caminho.
Assim, por exemplo, molhar os pés nas águas do mar na passagem do ano é para muita gente fundamental para que a vida “se renove”.
Como se existisse vida sem “ser”. E como se “renovação” fosse algo como um objeto, inerente ao ser, ao seu pensar, seu agir em direção à realização de ideais.
Outros “mitos” se somam a esta panaceia de fatores capazes de se tornarem mais fortes do que o próprio homem.
Na realidade o personagem principal de uma vida é sempre o próprio ser que a vive. E a vida não é um pacote de soluções compradas, mas construída por cada um.
Não existe renovação! O “novo” é resultado de mudanças pessoais, que encaramos para o encontro de nós mesmos e por consequência da vida que desejamos. Erramos muitas vezes nesses percursos, mas não tem importância, não é preciso esperar outro começo de ano para planos e expectativas, pois todo dia é um novo dia de recomeço.
Busque sim, momentos de organização e planejamento da realização de expectativas, de fortalecimento ao crédito em si mesmo da maneira que julgar mais prazerosa e eficaz para você. E se você não aceitar este “novo” feito por você, que não há como delegar a terceiros, nem mesmo precisará do tempo para encontrar o envelhecimento interior.
De fato “inovar-se” exige um revisar constante de ideias; uma disposição incansável de busca; uma exigência implacável de crescimento e evolução.
Este é o preço do Feliz Você tão Procurado.