O DESPERTAR DA ÁFRICA II
Araken Vaz
Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em
Valença/BA
As expedições
mencionadas no artigo anterior abriram o caminho para a colonização de fato.
Chegamos ao século XIX com os interesses econômicos e políticos das potências
europeias disputando ferozmente cada palmo de terra africana.
O Reino Unido conseguiu estabelecer-se em
uma faixa quase contínua deste o Egito até a África do Sul; a França com
algumas colônias na linha equatorial, no Congo (Brazzavile) e na ilha de
Madagastar; Portugal firmemente estabelecido em Guiné-Bissau, nas ilhas de São
Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique; Alemanha no Togo, Tanganica e Camarões;
Bélgica no Congo (belga); a Itália na Líbia, Etiópia e Somália; Espanha em
parte do Marrocos, Saara Ocidental e no Golfo de Guiné.
Na Conferência de Berlim de 1884-1885 a partilha da África se
consumou formalmente, na qual se firmou o princípio da ocupação efetiva como
forma legitimadora da posse das colônias. A política colonial, como não podia
deixar de ser, afetou ou destruiu completamente as estruturas econômica,
sociais e tribais da África Negra.
Sendo que o mais grave dessa ocupação
territorial foi a divisão de tribos (entre si), uma vez que a ocupação visava a
posse das riquezas, em particular, minerais, ignorando os costumes dos povos,
que viviam na região.
Pior: com esse tipo de colonização, ocorria
de um país ocupar um importante rio, onde, muitas vezes, em cada uma das
margens viviam povos que guerreavam secularmente, os quais, de uma hora para
outra, viram-se “unidos” sob uma mesma organização política que impunha uma
política de pax manu militari.
Precária, como toda paz desse tipo.
Ocorreu também de duas nações ocuparem -
cada uma - uma margem do mesmo rio onde viviam povos da mesma etnia. As guerras
e os massacres que desde o processo de independência até hoje ensanguentam os
diferentes países da África têm sua origem nesses fatos.
Povos da mesma etnia, da mesma cultura,
separados por uma política colonial que os ignorou, e que foram unidos a povos
de outras etnias, às vezes rivais, e por isso lutam hoje, da mesma forma que
lutaram durante séculos, muitas vezes usando os mesmo métodos bárbaros do
passado, buscando a união com seus iguais que pertencem a países diferentes
surgidos depois da descolonização.
É tão confusa a situação que restou do
processo de colonização que resulta também confuso para o analista explicá-lo
em poucas linhas. E se toda essa complexidade não fosse suficiente para
aumentar a tragédia africana, existem ainda os resíduos da escravidão.
A mais esdrúxula das situações, é o caso da
Libéria. Conhecida dos antigos egípcios desde época imemoriais, a costa da
atual Libéria foi também colonizada, desde o século XV, por portugueses,
holandeses e ingleses.
Essa parte da África negra, com esse nome,
começa uma nova história a partir de 1818, quando exploradores dos Estados
Unidos, financiados por milionários daquele país, ansiosos de se verem livres
da “mancha negra” residual da escravidão, pois imaginavam que, com o passar dos
tempos, fatalmente resultaria em uma forte miscigenação – terrível mal para o
desejo de pureza racial dos WASPs (sigla de branco, anglo-saxão e protestante –
isso, claro, em inglês – WASP, como se autodenomina a aristocracia dos Estados
Unidos, de onde saíram os chamados “pais da pátria”) visitaram a região em
busca de um espaço geográfico para repatriar todos os negros libertados da
escravidão.
Dessa forma, em 1821, mediante o pagamento
de uma vultosa soma, estabeleceu-se um acordo com os chefes que dominavam as
áreas do litoral e, já no ano seguinte, foram enviados os primeiros ex-escravos
como imigrantes.
É
preciso que se diga, porém, que dentro do conflito social gerado pela Guerra da
Secessão, entre o norte industrializado e o sul agrícola e escravocrata, foi
prometido pelos vencedores aos escravos recém-libertos, 20 acres de terra e uma mula,
oferta que deveria representar uma espécie de indenização pelas mazelas da
escravidão.
Entretanto, nos EUA da época, o capitalismo
estava se consolidando, e tomando a sua forma que todos conhecemos.
Oferecer 20 acres e uma mula
significava que os agraciados teriam que pagar pela dádiva, pois – todos
sabemos! – no capitalismo, sistema nada fraterno e individualista, por
excelência, “quem não trabalha não come”,
mesmo não tendo onde trabalhar.
Então esse “altruísta” projeto fracassou. Ademais, nenhum estadunidense estava
interessado em ajudar a se criar uma classe média (mesmo agrária) negra e,
muito menos permitir que ela se desenvolvesse, o que levaria, fatalmente, a se
consumar aquilo que aqueles brancos racistas que criaram aquele país mais
temiam: miscigenação.
Bem, esses brancos – perdão, esses WASPs –
racistas e arrogantes, que já tinham recebido a sua “terra prometida”, conseguida mediante a eliminação dos índios,
graças a uma peculiar interpretação da bíblia, resolveram criar também para
seus ex-escravos uma “terra prometida”.
Dessa forma, impunha-se mandar os negros de
volta para a África. Assim nasceu a ideia de se ofertar aos ex-escravos para
eles – também! – aquela Canaã.
Criado o novo país, que recebeu – ironia a
parte – o nome de Libéria (cuja capital é Monróvia – em homenagem ao presidente
Monroe, aquele que proclamou:
A
América para os americano, entendendo-se por americanos os nascidos nos
EUA), estava criada também uma nova forma de colonização, prática que depois se
tornou comum na política externa dos estadunidenses, e que foi seguida com
poucas exceções: não manter colônias, apenas “estados associados” – ligados a
então nascente potência americana –, os quais, eventualmente, poderiam ser
absolvidos como mais um estado da União.
A terra
prometida aos ex-escravos – que é considerado o primeiro país independente da
África –, já nasceu dependente, pois, na prática, nunca passou de um
protetorado das grandes empresas dos Estados Unidos, em particular, a Firestone Tire and Rubber Company para
produzir látex para os seus pneus e demais produtos de borracha.