terça-feira, 30 de setembro de 2014

HUMANITAS Nº 28 - OUTUBRO DE 2014 - PÁGINA 8

É só um exemplo...

Divina de Jesus Scarpim – São Paulo/SP


Estava voltando do supermercado. Chovia e a temperatura era baixa, bastante baixa em comparação ao calor próximo dos 40 graus do último fim de semana. Com chuva e com frio, deitado sobre um pedaço de papelão molhado vi um rapaz de talvez uns 15 anos, vestindo shorts e camiseta e dormindo encolhido com as mãos entre as pernas e a cabeça coberta pelo boné na calçada ao lado da padaria.
Do outro lado da rua, na calçada rente ao supermercado, uma família com talvez um adulto ou uma criança bem mais velha (não deu pra ter certeza porque estava com a cabeça e o corpo cobertos) e uma menina e um menino.
Os três dormiam juntos, encolhidos e cobertos com pedaços de lençóis, também sobre pedaços de papelão molhado. O menino pequeno, por estar mais para o lado de fora, estava também provavelmente recebendo respingos da chuva.
Os quatro dormiam um de um lado e três do outro lado, na calçada de uma avenida movimentada do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa do Brasil do Futuro, a cidade das Olimpíadas de 2016 do país que tem aparecido como exemplo de desenvolvimento nos quadros econômicos do mundo.
Os quatro dormiam e eu sinto aquele nó forte no meu peito impotente e grito alto e raivosamente para dentro do meu silêncio: E AINDA QUEREM ME CONVENCER DE QUE EXISTE UM DEUS DE BONDADE QUE CRIOU O MUNDO!!!!
Alguém me dirá que eu poderia deixar de ser egoísta e, em vez de amaldiçoar esse deus, ajudar essas pessoas.
Eu responderia que não recebo salário há um ano e meio, moro em um cômodo único com banheiro e não tenho como abrigar quatro pessoas.
E também acrescentaria que mesmo tendo condições, isso não diminuiria minha raiva porque sei que essas pessoas são quatro de uma quantidade muito maior que dorme agasalhada por papelões e que não tem nada.
Diriam então que eu poderia ajudar com doações a instituições de caridade e eu responderia que isso também não resolve porque há instituições de caridade e há doações e ainda assim continuam existindo pessoas que dormem em cima de papelão e não têm nada.
Outra pessoa diria que esse quadro e essas cenas são culpa do homem e não de um deus.
Discursos e discursos são feitos para provar que tal deus não tem culpa, não deseja e até sofre com essas aberrações ainda mais do que eu. E eu respondo que esses discursos não me convencem de forma nenhuma porque se existisse esse deus todo bondade, com todo poder e toda a onisciência que afirmam que esse deus tem, ele não teria criado o mundo com a possibilidade de existir gente que dorme em pedaços de papelão e não têm nada. Não teria criado o mundo com a possibilidade de existir pessoas que permitem que outras pessoas durmam em pedaços de papelão e não tenham nada.
Não entra na minha cabeça, não dá para ser aceito pelo meu reduzido e miserável cérebro, não pode ser alcançado pela minha parca inteligência um deus, ou a possibilidade de um deus criador, que sendo bom e poderoso tivesse a apresentar como sua criação esse mundo em que vivo e onde encontro pessoas que dormem em pedaços de papelão e que não têm nada.
Se esse deus é todo bondade ele não teria criado pessoas com condições de por algum motivo se tornarem pessoas más.
Se esse deus é todo poderoso ele obrigatoriamente teria poder para criar um mundo onde as pessoas não tivessem propensão à maldade, à ganância, ao egoísmo, à indiferença.
Se esse deus é onisciente ele saberia antes de dizer “Faça-se a luz” que no futuro haveria pessoas que dormiriam em pedaços de papelão e que não teriam nada.
Eu não entendo, eu não entendo, eu não consigo entender como é que as pessoas conseguem ver outras pessoas dormindo em pedaços de papelão e ainda assim acreditar em deus, dar dinheiro para as igrejas e dizer que deus é bom.
Eu não entendo! Eu não entendo!

HUMANITAS Nº 28 - OUTUBRO 2014 - PÁGINA 7

Ditadura civil militar: a ditadura de todos
Sérgio Castro – Salvador/BA

Foram necessários 50 anos para que se aceitasse: não houve ditadura militar no Brasil. Ela foi civil e militar, associação de elites, paisanos e gorilas, representando os interesses das elites. Valerá a pena refletir mais um pouco e descobriremos que a ditadura foi a “opção democrática” de grande parte dos brasileiros.
O livro “Piracicaba 1964 – o golpe militar no interior” é uma coletânea de artigos que relata, não o golpe militar, mas o que foi a ditadura numa cidade de tamanho médio (algo como 100 mil habitantes), no interior de São Paulo. Tema que é tratado pela primeira vez, pondo em evidência o que aconteceu de fato por todo o Brasil: não em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, ou em Brasília.
Um retrato que surpreende, ao evidenciar o que todos podíamos saber:
Em Piracicaba houve resistência, especialmente por parte dos estudantes, professores e alguns jornalistas. Existiram e foram perseguidos vários “subversivos”, a cidade abrigou congressos da UNE. Houve um prefeito que desafiou o DOPS e os militares.
Tudo começou com uma grande marcha da família, inspirada no ideário de 1932, liderada pelas mulheres sérias das boas famílias, apoiadas pelos padres, Igreja, jornais, clubes e colégios, usineiros. profissionais liberais, comerciários e bancários.
Pouco tempo depois surgiria a minoria descontente.
Na cidade do interior não se joga o jogo das altas cavalariças, não se discute sobre o nome do próximo general a assumir o comando da guarda.
Mas fica evidente a conveniência em aceitar-se o papel de “vivandeira de quartel”: o poder da força absoluta serve à solução mais conveniente nas disputas menores, que cabem nos limites do município.
Os oficiais militares (de pequeno escalão, tenentes e capitães) são exaltados e buscados, para que se lambam as suas botas. Rapidamente aprende-se a transformar a fofoca em delação.
O que mudou a partir de 1985? Tudo aquilo que não era mais necessário, pois que os reais objetivos de 1964 já tinham sido alcançados e estavam consolidados. Piracicaba acomodou-se.
Completou 12 anos de administração pública feita por um só partido político.
Sabe da conveniência de manter-se a “política” que o velho e arcaico adhemarismo praticou ainda nos anos das décadas de 1940 e 1950
A ditadura foi o regime brando, de violências menores e que não se pretende punir (não devem ser punidas). Os ares são os mesmos: os que as queimadas promovidas pelos donos dos canaviais distribuem de forma equânime, os que, antes disso, mataram o rio Piracicaba, despejando nele o restilo pestilento, cheiro adocicado da podridão.
Abrindo o livro, o ensaio de Orlando Guimaro Júnior (“Porque a base do Direito é a força”) convida a reconhecer o óbvio:
“Quando o último corpo de desaparecido político for encontrado, ou quando forem fornecidas indicações seguras de sua localização ou de seu destino; quando o último torturador, assassino ou agente da repressão que tenha cometido ou colaborado na prática de atrocidades seja identificado e preste contas de seus atos, finalmente o Brasil poderá se considerar em paz com o seu passado, como uma nação que respeita os seus cidadãos, que respeita a pessoa humana.”
Ora, dentro de algum tempo a Comissão Nacional da Verdade encerrará seus trabalhos.
E ficará evidente que o Brasil está em paz com o seu passado, posto que ele foi o fruto desejado pelos brasileiros, a ditadura que, exatamente, desrespeitando a cidadania, existe para zelar pelos interesses; que, no silêncio das censuras, é bem recebida pelas elites e aceita pela maioria do povo brasileiro, que se alegra pela felicidade despudorada de quem se acha dono do poder.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

HUMANITAS Nº 28 - OUTUBRO 2014 - PÁGINA 6



Avaliação de desempenho – um programa sem medos
Ana Maria Leandro – Belo Horizonte (MG)

“Avaliação não é julgamento... É momento de se ver e compreender as necessidades do sistema que o cerca”

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Empresários às vezes reclamam que seus processos de “Avaliações de Desempenho” operacionais e mesmo de liderança, não os levaram a resultados aproveitáveis.
Posso afirmar que tal pode acontecer, porque de uma maneira geral os programas se apresentam como “julgamentos”, mais reguladores de cortes de pessoal e não de tomada de medidas de ajustes necessários. É natural, portanto, que via de regra resultem em rejeição ou mesmo boicote dos colaboradores.
Para se corrigir este caminho é preciso realizar uma preparação prévia dos colaboradores colocando-os como construtores do processo tanto de auto avaliação, quanto de avaliação cruzada (vertical e horizontal).
Através de dinâmicas interativas elimina-se inicialmente o natural medo humano da avaliação e procura-se estimular a percepção, de que a mesma é um processo de ajuda principalmente ao autoconhecimento e do todo.
E pode-se ir mais longe, estabelecendo inclusive a possibilidade de haver remanejamentos de tarefas ou funções, com a finalidade de atender melhor aos perfis individuais.
Nesta vertente, os colaboradores longe de se sentirem acuados, colaboraram ativamente com o programa e apresentam grande elevação na produtividade e na qualidade de seus serviços, conforme gráficos que devem inclusive ser expostos em quadros de Gestão à Vista.
A própria filosofia do trabalho em RH precisa ser despida de atitudes de arrogância e instinto de coerção. Não é este o caminho de se conseguir resultados com seres humanos.
Por outro lado coordenadores do processo aplicativo da avaliação não podem se comportar com excesso de exibicionismo e superioridade.
Por questões culturais, a avaliação já possui a imagem de que ela parte de quem sabe mais para quem sabe menos, situação estabelecida pelo próprio sistema Ensino X Aprendizagem.
Ocorre que até mesmo nos sistemas escolares, já se sabe que esta é uma versão superada e que o aprendiz precisa ser construtor e não mero receptor da aprendizagem.
Quando se sente excluído do próprio processo de evolução, como se somente forças externas pudessem decidir sobre o que é melhor para ele mesmo, corre-se o risco de que tome uma dessas direções: ou se acomoda, como um ser incapaz; ou aparentemente aceita-a, mas talvez até sem ter consciência disto, conduz ao fracasso o processo.
Lembrando-se que não existe organização sem pessoas, melhor que estas partes se ajustem e busquem em estreita cooperação o sucesso de ambas.
Assim nos sistemas empresariais, a Avaliação de Desempenho tem de ser construída junto com o colaborador, a fim de que ele se identifique não como avaliado, mas como pessoa em busca de sua melhor atuação profissional e do crescimento organizacional.
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"A leitura de todos os
bons livros é como uma
conversa com todos
os homens de melhor qualidade dos séculos passados."
DESCARTES
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HUMANITAS Nº 28 - OUTUBRO 2014 - PÁGINA 5

Um pouco de ciência não faz mal a ninguém
Jorge Oliveira de Almeida – Rio de Janeiro/RJ

O homem, em virtude da necessidade intrínseca de conhecer o mundo e as suas origens, sempre procurou explicações que lhe confortassem. Como naturalmente nos primeiros tempos da espécie humana não havia conhecimento para o entendimento dos fenômenos físicos, os homens passaram a crer que tudo o que existia e tudo que aqui se passava era determinado pelos deuses, que para isso precisaram ser criados.
Muito tempo depois, Aristóteles (384-322 antes da Era Comum), o único ser humano que conseguiu dominar todo o conhecimento de sua época, usando de bom senso e intuição, escreveu entre outras coisas, sobre teatro, política, história natural, física, lógica, moral, meteorologia, filosofia... Foi o fundador da lógica formal, e da moral como ciência.
É evidente que o que ele escreveu em matéria de ciência retratava muito mais os mitos e ansiedades da época, do que a própria realidade. Por exemplo, para ele, o éter era um quinto elemento, além da água, do ar, da terra e do fogo.
E o que era o éter? Era um meio elástico imponderável, incolor, transparente, que precisava existir nas mentes das pessoas, para que fosse possível explicar, por exemplo, a propagação da luz no vácuo, como o meio natural capaz de transportar suas ondas.
Dizia Aristóteles que como "a Terra está envolta pela água e a água pelo ar, o ar está pelo éter". Assim, por muitos séculos, o Homem acreditou na existência do éter e seria a maior imbecilidade pensar de modo diferente.
Por exemplo, eis o que pensava sir Isaac Newton (1642-1727): "Imaginar que um corpo possa agir sobre outro à distância por intermédio do vácuo, sem um meio entre eles, é para mim tão absurdo que duvido que alguém, com competência para discutir problemas filosóficos, venha a aceitá-lo."
Newton fala em problemas filosóficos porque não existia então a Física como ciência; os fenômenos físicos eram estudados em Filosofia. Quando Newton escreveu o seu tratado de Física, fê-lo como um trabalho de Filosofia, redigido em latim, porque era a língua universal, reflexo da dominação dos povos cristãos pela Igreja Católica. (É interessante observar que o latim somente existiu como língua falada até o século IV). 
Igualmente, James Clark Maxwell (1831-1879) elaborou toda a sua teoria sobre o eletro-magnetismo partindo da convicção da existência do éter.
Voltando a Aristóteles, considerava ele que a Terra era o centro do Universo (e não só do sistema solar) e não girava. Ficava parada, e todo o Universo girava em torno dela, porque assim quis Deus.
Hoje sabemos que a Terra realiza um movimento de translação em torno do Sol à velocidade de 30 km/s e em torno de seu próprio eixo em 23h56min.
Não podemos considerar absurdas as ideias daquele pensador. Elas retratavam o conhecimento de seu tempo, mas a Igreja Católica se apropriou dessas ideias porque estavam conformes as "Sagradas Escrituras", e não permitiu que outros estudos e pesquisas fossem realizadas, o que levou a Humanidade a mergulhar na "Longa Noite Das Trevas" por cerca de um milhar de anos.
Quem era contra terminava sendo morto pela Igreja, com a bênção dos Céus. Foi o que aconteceu com o monge Giordano Bruno (1548-1600) que foi assado vivo pela "Santa Inquisição", pelo crime de difundir as ideias de Copérnico (de que o Sol era o centro do sistema solar) e também de crer na contração e na expansão do Universo (conceito bastante atual, aliás, no qual também creio!).
Evidentemente, o trabalho de Copérnico, "De revolutionibus orbium coelestium libri VI" só apareceu por ocasião de sua morte. Tivesse ele ousado apresentá-lo antes, teria também virado churrasquinho!!
Galileu Galilei (1564-1642) procurou divulgar as ideias copernicanas, mas embora fosse muito amigo do papa, foi obrigado a abjurá-las, em vista do que havia acontecido com Giordano Bruno. Passou o resto de seus dias em prisão domiciliar. É interessante aqui transcrever uma carta redigida em latim, como já comentei antes, na época a língua universal, datada de 4 de agosto de 1597, em que confidenciou a Kepler: "Há alguns anos, aliei-me à doutrina de Copérnico, graças à qual descobri as causas de um grande número de efeitos naturais que as hipóteses comuns não podem de maneira nenhuma explicar."
Ao final do século XIX, o físico norte-americano Albert Abraham Michelson (1852-1931), primeiro prêmio Nobel de seu país, conseguiu demonstrar através de um aparelho construído por ele mesmo, o interferômetro, e posteriormente, juntamente com Edward Morley, através de um novo aparelho mais sensível que o anterior e desenvolvido pelos dois, que o éter de Aristóteles não existia!
Albert Einstein (1879-1955), prêmio Nobel de 1921, enunciou a teoria da relatividade, entre outros grandes estudos por ele realizados, deduzindo a relação entre matéria e energia, o que levou à elaboração das bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.
Os físicos franceses Pierre Curie (1859-1906) e Marie Curie (1867-1934) descobriram o rádio. Ambos receberam o prêmio Nobel, ele em 1903 e ela em 1911. E não podemos esquecer do grande Charles Darwin - 1809-1882 - e muito mais.
O que é difícil de acreditar é que existem muitos pobres coitados (aliás, muitíssimos) que, mesmo após tantas conquistas científicas, ainda continuam acreditando no criacionismo, ou seja, na lenda de Adão e Eva, de uma santa virgem etc. Não se trata essa questão de religiosidade ou irreligiosidade - é ignorância mesmo!

HUMANITAS Nº 28 - OUTUBRO DE 2014 - PÁGINA 4

Quem é Frei Betto e qual é o apito que ele toca?

Ivo S. G. Reis – Campo Grande/MS

Bem, primeiramente, há que se saber que pessoas o som do apito dele chama e quem são os que conseguem ouvi-lo, pois nem todos os sons são audíveis ao ouvido humano e outros, apesar de audíveis, melhor negócio se faz se os ignorarmos ou taparmos os ouvidos. Eu, por exemplo, jamais atenderia a um chamado do apito de Frei Betto, assim como várias outras pessoas coerentes.
Frei Betto é um respeitado intelectual brasileiro. Escritor religioso dominicano, teólogo, ativista social e político de esquerda "adepto da Teologia da Libertação, é militante de movimentos pastorais e sociais, tendo ocupado a função de assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2004. [...] Foi coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero" (Wikipédia). Escreveu 53 livros, dois deles agraciados com os prêmios Jabuti e Juca Pato. Sua obra premiada e mais conhecida é "Batismo de Sangue", depois transformada em filme.
Um currículo respeitável, mas não suficiente para aceitarmos tudo o que ele diz, quando mistura seus valores religiosos em sua literatura e, mais ainda, quando se declara defensor da relação colaborativa Igreja Católica-Estado. Aí o bicho pega e a casa cai. Isso invalida seus méritos de intelectual, escritor e ativista social?
Certamente que não, mas restringe seu público-alvo. E entre esses não se situam os ateus e irreligiosos, que condenam veementemente a perniciosa união Igreja e Estado, que equivale à união "Igreja x Política", que dá no mesmo e nunca produz bons resultados para os dominados, isto é, o povo.
O padre (ateu) Jean Meslier, lá por 1720, já denunciava e condenava essa relação nefasta. E de lá para cá, as coisas não mudaram, apenas sofisticaram-se e intensificaram-se. São sempre as mesmas consequências: maior poder de dominação para o Estado e a Religião.
Vou dar um exemplo hipotético: Suponhamos que exista um sociólogo e historiador, sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, mas que na época apoiava o nazismo e que hoje se identifica como simpatizante do neonazismo, apesar de não ser um ativista.
Suponhamos que esse escritor e sociólogo e historiador seja reconhecido como "o maior historiador do século 21". Suponhamos, a seguir, que ele tenha escrito um clássico denominado "História das Grandes Guerras e Conflitos dos séculos XX e XXI" e que esse livro fosse altamente festejado pela crítica e até ganhasse alguns prêmios...
Vocês confiariam na versão dele? Poderiam dizer que ela seria verdadeira e imparcial? Pode até ser que sim (os anos mudam as pessoas, inclusive suas convicções religiosas e políticas).
Porém, se o cara ainda se reconhece como simpatizante do neonazismo...
Assim é como vejo o papel social do Frei Betto e de suas obras. Como agravante, o fato dele ser um formador de opinião e apologista religioso. E as passagens a seguir destacadas endossam com vigor minhas assertivas. Uma pessoa, um escritor religioso que apoia a união Igreja-Estado, mesmo quando ele ressalva (talvez para disfarçar suas posições religiosas):
"... Não creio no deus dos torturadores e dos protocolos oficiais, no deus dos anúncios comerciais e dos fundamentalistas obcecados; no deus dos senhores de escravos e dos cardeais que louvam os donos do capital. Nesse sentido, também sou ateu."
E depois se atrapalha quando afirma crer no:
"...Deus da Arca de Noé, dos cavalos de fogo de Elias, da baleia de Jonas. Deus que extrapola a nossa fé, discorda de nossos juízos e ri de nossas pretensões; enfada-se com nossos sermões moralistas e diverte-se quando o nosso destempero profere blasfêmias."
Não, esse cara eu olho com reservas, muitas reservas. Ainda bem que pelo menos ele reconheceu "os cardeais que louvam os donos do capital".
Como, depois disso tudo, pode continuar apoiando a Igreja, se ela também louva e se associa com os donos do capital, sendo ela mesma um deles?
Teria Frei Betto esquecido como foi formada a riqueza e todo o patrimônio da Igreja Católica? Nós não.

HUMANITAS Nº 28 - OUTUBRO 2014 - PÁGINA 3


REFÚGIO POÉTICO

DUVIDADOR DO MUNDO
Antonio Carlos Gomes
 Guarujá/SP

No fundo
Sou duvidador do mundo.

Minha arte é duvidar
Se a vida é superfície
O ser profundo não pode falar...
Só contestar.

Se o passado me amarra
É o presente o mundo onírico
O futuro se desgarra
Não obedece artifícios
Pois, o presente não embala
As fantasias do frontispício
Que minha mente avassala
Com ares sapientes... mas indecisos.

Sou o sonho que flutua
Discordando do sonhar...
Já que as velas que amarrei
Não impedem o velejar
Trazem máscaras do passado
Pro futuro assombrar
E eu cá, ensimesmado
Continuo a duvidar...
*********
CARTAS DE UMA ALMA
Karline Batista – Aracati/CE

Posso deixar aqui
as cartas amanhecidas
de uma alma
que deflagrou com seus sonhos de vitrais no tempo
e caiu em pedaços pelo espaço
espalhando suas letras
pelo caminho
na esperança teimosa que um dia
o destinatário reconheça a caligrafia
e venha afogar-me com seus beijos
em letargia
.........................

UMA MULHER MUITO À FRENTE DO SEU TEMPO

Francisca Clotilde nasceu em Tauá, Ceará, em 19 de outubro de 1862. Filha de João Correia Lima e Ana Maria Castelo Branco.
Ávida por liberdade engajou-se no Movimento Abolicionista; já então se notabilizava pela vocação poética. Em 1884, por concurso público foi nomeada com o título de professora para a Escola Normal de Fortaleza.
 Colaborou na imprensa (prosa e verso): Cearense, Gazeta do Norte, Pedro II, O Libertador, A Quinzena, A República, Almanaque do Ceará, no Ceará; e na de outros estados.
Ao ser demitida da Escola Normal (sua pena incomodava os poderosos) fundou externato próprio que funcionou em Fortaleza e depois em Baturité.
Além de poetisa, foi também contista, cronista, jornalista, dramaturga e romancista. Em 1902 veio a público o romance “A Divorciada”.
Pelo tema, há de se imaginar o abalo na sociedade e o preço que a romancista pagou pela "ousadia".
Em 1908 transferiu-se com a família, o externato e a revista A Estrella para a cidade de Aracati, onde passou 27 anos de sua vida dedicados à educação da Zona Jaguaribana.
Seus filhos Antonieta, Aristóteles e Angelita seguiram o exemplo da mãe: todos percorreram o árduo caminho de educar.
Faleceu em Aracati no dia 8 de dezembro de 1935.

....................................
A vida é uma estranha hospedaria. De onde se parte quase
sempre às  tontas,
Pois nunca as nossas malas
estão prontas
E a nossa conta nunca está em dia.
- MÁRIO QUINTANA -
.........................
Não te retires ofendida.
Pensa que nesse grito vem
O mal de toda minha vida:
Ternura inquieta e malferida
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca ter dado:
Em te pungindo algum espinho
Cinge-a ao teu seio angustiado.
E sentirás o meu carinho
- MANUEL BANDEIRA -
......................
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HUMANITAS Nº 28 - OUTUBRO DE 2014 - PÁGINA 2

Editorial
 
Fé religiosa nunca foi nem será conhecimento

Na enciclopédia da fé não existem respostas convincentes para as indagações humanas. Fé religiosa nunca foi nem será conhecimento científico. Fé religiosa não pode se irmanar com a filosofia.
Não se pode criar uma filosofia da fé. Thomas de Aquino tentou fazer isso e terminou deturpando a filosofia aristotélica. Mentiu para idealizar a vida eterna. Os filósofos da religião sempre deturparam a verdade.
As perguntas - Quem sou? De onde vim? Para onde vou depois de morrer? - serão respondidas pelo conhecimento científico, mas já se pode responder a elas de forma simples:
O homem é um produto do meio ambiente. Não foi criado nem planejado por nenhum deus. Nasceu do acaso e evoluiu. Depois de morrer não vai para lugar algum (inferno ou paraíso). Existe e passa.
O grande filósofo Friedrich Nietzsche estava certo quando dizia que “a fé não remove montanhas, mas coloca montanhas onde elas não existem.
Portanto, os mistérios estão sendo revelados cientificamente ao homem. Viver apenas pela fé, hoje, é simplesmente falta de formação crítica ou desinteresse por conhecimentos.
Toda e qualquer religião tem como fórmula inculcar o medo na cabeça das pessoas. Tudo para fazer existir seus deuses, santos, santas e mártires. Entre eles, o medo de morrer e perder uma ilusória vida eterna.
Mais: medo de viver a vida com intensidade pensando que está a pecar. Medo de enfrentar a realidade.  Medo, principalmente, do inexistente deus cristão perante o qual tanta gente se ajoelha e que, por não existir, simplesmente não interage junto aos seus seguidores.
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CARTAS DOS LEITORES

Um jornal bom demais. Dizer bom é pouco. Estou a aprender muito com ele. Libertário e que faz pensar. Kátia Lima – São Paulo/SP
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Sempre chegando do Recife as ideias do pensamento livre e de apoio à verdade. Edson Cardoso – João Pessoa/PB
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O porco com obesidade mórbida
Antonio Carlos Gomes – Guarujá/SP

Denunciaram, sim, Denunciaram! Um matadouro clandestino no morro. Há tempos que por lá se sacrificavam e vendiam animais. Até que enfim alguém denunciou.
Pobres bichinhos!
O referido abatedouro ficava no final da favela, no morro. Aliás, no final do morro, já com vistas para o outro lado, ou seja, a mata. Nem o mar, o privilégio de quem por lá habita, existia.
Juntamente com a polícia foi a Vigilância Sanitária. Lá encontraram algumas cabras, alguns pequenos porquinhos e um porco de quinhentos quilos: obesidade mórbida evidente e indubitável.
Retiraram os animais pequenos. E o gordo porco? Como fazer? O animal mal andava, não desceria a montanha. Por lá não chega nenhuma caminhonete para o resgate. 
Se forçar o animal a andar ele morre, fato bem conhecido. Até Charles Dickens relatou nas “Aventuras do Senhor Pickwik”, onde a obesidade chega a tal ponto que qualquer esforço pode ser fatal. Chamaram os bombeiros.
Junto com os bombeiros vieram os repórteres ávidos por notícias.  Feita a reunião: como retirar o animal?
Muita discussão, muitas fotos e nenhuma conclusão.
O nosso amigo obeso virou manchete escrita e falada; até televisionada, e os órgãos competentes ficaram de estudar o caso.
Três dias de Imprensa e de pensamentos conseguiram um meio, usando toda a inteligência da cidade: remover o animal são e salvo.
A imprensa vibrou, a notícia ganhou a primeira página, os comentaristas da rádio discutiram o caso. O animal estava salvo.
Realmente, dali nosso gordo amigo foi para um confinamento, fizeram todos os exames objetivando avaliar direito a saúde tão agredida pelo excesso de lavagem, ou seja, restos de comida com que foi alimentado e, após constatar que o animal estava perfeito o encaminharam para o matadouro local, com todas as condições de higiene que exige a lei.
Ninguém noticiou a morte do suíno.