Ditadura
civil militar: a ditadura de todos
Sérgio Castro – Salvador/BA
Foram necessários 50 anos para que se
aceitasse: não houve ditadura militar no Brasil. Ela foi civil e militar,
associação de elites, paisanos e gorilas, representando os interesses das
elites. Valerá a pena refletir mais um pouco e descobriremos que a ditadura foi
a “opção democrática” de grande parte dos brasileiros.
O livro
“Piracicaba 1964 – o golpe militar no interior” é uma coletânea de artigos
que relata, não o golpe militar, mas o que foi a ditadura numa cidade de
tamanho médio (algo como 100 mil habitantes), no interior de São Paulo. Tema
que é tratado pela primeira vez, pondo em evidência o que aconteceu de fato por
todo o Brasil: não em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, ou em Brasília.
Um retrato que surpreende, ao evidenciar o
que todos podíamos saber:
Em Piracicaba houve resistência,
especialmente por parte dos estudantes, professores e alguns jornalistas.
Existiram e foram perseguidos vários “subversivos”,
a cidade abrigou congressos da UNE. Houve um prefeito que desafiou o DOPS e os
militares.
Tudo começou com uma grande marcha da
família, inspirada no ideário de 1932, liderada pelas mulheres sérias das boas
famílias, apoiadas pelos padres, Igreja, jornais, clubes e colégios, usineiros.
profissionais liberais, comerciários e bancários.
Pouco tempo depois surgiria a minoria
descontente.
Na cidade do interior não se joga o jogo das altas cavalariças, não se
discute sobre o nome do próximo general a assumir o comando da guarda.
Mas fica evidente a conveniência em
aceitar-se o papel de “vivandeira de
quartel”: o poder da força absoluta serve à solução mais conveniente nas disputas
menores, que cabem nos limites do município.
Os oficiais militares (de pequeno escalão,
tenentes e capitães) são exaltados e buscados, para que se lambam as suas
botas. Rapidamente aprende-se a transformar a fofoca em delação.
O que mudou a partir de 1985? Tudo aquilo que não era mais necessário,
pois que os reais objetivos de 1964 já tinham sido alcançados e estavam
consolidados. Piracicaba acomodou-se.
Completou 12 anos de administração pública feita por um só partido
político.
Sabe da conveniência de manter-se a “política”
que o velho e arcaico adhemarismo praticou ainda nos anos das décadas de 1940 e
1950
A ditadura foi o regime brando, de
violências menores e que não se pretende punir (não devem ser punidas). Os ares
são os mesmos: os que as queimadas promovidas pelos donos dos canaviais
distribuem de forma equânime, os que, antes disso, mataram o rio Piracicaba,
despejando nele o restilo pestilento, cheiro adocicado da podridão.
Abrindo o livro, o ensaio de Orlando
Guimaro Júnior (“Porque a base do Direito
é a força”) convida a reconhecer o óbvio:
“Quando
o último corpo de desaparecido político for encontrado, ou quando forem
fornecidas indicações seguras de sua localização ou de seu destino; quando o
último torturador, assassino ou agente da repressão que tenha cometido ou
colaborado na prática de atrocidades seja identificado e preste contas de seus
atos, finalmente o Brasil poderá se considerar em paz com o seu passado, como
uma nação que respeita os seus cidadãos, que respeita a pessoa humana.”
Ora, dentro de algum tempo a Comissão Nacional da Verdade encerrará
seus trabalhos.
E ficará evidente que o Brasil está em paz com o seu passado, posto que
ele foi o fruto desejado pelos brasileiros, a ditadura que, exatamente,
desrespeitando a cidadania, existe para zelar pelos interesses; que, no
silêncio das censuras, é bem recebida pelas elites e aceita pela maioria do
povo brasileiro, que se alegra pela felicidade despudorada de quem se acha dono
do poder.
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