quinta-feira, 4 de setembro de 2014

HUMANITAS Nº 27 – SETEMBRO/2014 – PÁGINA 4

O messianismo brasileiro nos tempos de cólera
Sérgio Castro – Salvador/BA

O Brasil vive plenamente a solução de compromisso (mais uma na nossa História) que nada mais é que uma sequência delas, a que foi adotada em 1985, sob a proteção da espada de Leônidas Pires Gonçalves, aquele que combateu à sombra da UTI do Hospital de Base.
O único político a acusar foi o deputado Luiz Inácio Lula da Silva, que se negou a avalizar a carta outorgada, inspirada nos quartéis que nunca se limparam das torturas e indignidades da ditadura.
A “democracia consentida” vai sendo praticada com maiores e menores arranhões e o Brasil, que já não é o País do Futebol, mas que será sempre o mais lerdo, o que por último aboliu o trabalho escravo, e é agora o mais sem caráter, o único que não puniu e não punirá os seus torpes torturadores.
A “democracia consentida” permitiu que se lançasse ao lixo toda a tradição de lutas por um Brasil Independente, fazendo-se a adesão à globalização orientada pelo sistema financeiro internacional privado, sob a égide da ideologia neoliberal dos neo-estruturalistas, inventados por esse sistema e que por sua vez inventaram Fernando Henrique Cardoso, como se fora ele “o pai do Real”.
A possibilidade de resgatarmos nossa independência é remota: nossa economia - não tenhamos ilusões - não é mais uma economia nacional, possível de ser orientada pela ação do Estado.
A dependência fica provada com a ação do nosso Banco Central, que determina o nível criminoso de juros que todos nós pagamos e continuaremos a pagar aos bancos. Verdade!
Restou uma pequena margem para a ação do Estado, e ela tem sido usada com competência, na forma de uma política social assistencialista.
Assistencialista sim, a única possível, pois que perdemos a guerra: ensinar a viver exige escola, e como ela não há, resta estender o prato de comida.
A pressão das elites carcomidas nacionais, contando com a voz do sistema de comunicação & informação, obrigou o PT a fazer uso dos mesmos estratagemas que já foram praticados pelos coronéis, ao tempo da República Velha. O suborno, o uso do ilegal sob olhos vendados: Lula fez o único resumo decentemente real do processo que puniu os dirigentes do PT: “não usamos em benefício próprio um dinheiro que veio de caixa 2”. Caixa 2 que, nascendo inevitavelmente de atos criminosos que são praticados e tolerados no mundo dos negócios não admite pruridos éticos. Temos diante de nós os réus confessos e que, prodígio da nossa Justiça, são condenados injustamente.
Para assegurar-se a continuidade de um governo não amasiado com o poder econômico (e o seu rompimento terá consequências tenebrosas) vale lançar mão de todos os recursos. Vale tudo.
Vale estar presente à inauguração do Templo de Belzebu, obra de um celerado, aquele que enriquece roubando de todos; aquele que ridiculariza a Nação, consagrando a fé estúpida da ignorância cega.
Aleluia, Alelluia, eis que chega o tempo do Senhor!
Até agora, os movimentos messiânicos no Brasil, ingênuos e puros, como o de Canudos, de Antônio Conselheiro, foram demolidos a tiros de canhão.
Mas, hoje, o messianismo ordinário/charlatão de Edir Macedo recebe a visita da presidente e do vice-presidente da República brasileira, do governador do Estado de São Paulo e do prefeito de São Paulo. A fotografia das autoridades - sérias e compenetradas - tem uma tradução possível: a do desrespeito ultrajante aos brasileiros capazes de pensar.
No olhar de cada um deles, a mesma proposta que depravados mentais e morais fizeram à Presidente, quando da inauguração da Copa da FIFA.
O que está em jogo: um milhão de votos?
O compromisso de submissão da Nação ao ideário de Jair Bolsonaro?
Sinto assim, e então me retiro, o que significa a perda de um pobre voto, um voto.
Não posso aceitar um Brasil mergulhado no messianismo que os ratos estão trazendo para o país: tempos de cólera.

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