Recife, uma cidade para poucos
Liana Cirne Lins – Recife/PE
Foram
postas em ação no mês de janeiro de 2015 as medidas restritivas de acesso ao
Recife Antigo, consolidando uma política de exclusão social assustadora e que
pode ter graves repercussões éticas.
Vamos
ligar os pontos?
Recife Antigo literalmente ilhado, com
revista seletiva (leia-se, revista de negros e pobres) em todas as pontes de
acesso. Proibição de comércio informal na área do Marco Zero, sem pipoqueiro,
sem raspa-raspa. Transformação de uma área que seria parque público, com vista
linda para o rio e o mar, em estacionamento e, ocasionalmente, em área de
camarote ou shows privados. Várias tentativas de camarotização do nosso
carnaval popular e de rua, felizmente frustradas pela sociedade civil.
Ligando os pontos, o desenho que surge é
o de uma cidade com muitas cancelas e interdições.
A escolha do poder público por esse
modelo de cidade para poucos, para a elite, é preocupante. Hannah
Arendt, em “As Origens do
Totalitarismo”, nos mostra que a perseguição aos judeus iniciou-se com
essas cancelas. O ódio aos judeus começou criando uma ideologia de que os
judeus não pertenciam ao mesmo ESPAÇO físico que os alemães.
É exatamente isso que está sendo
promovido pelo governo do Recife: uma política higienista que quer convencer a
classe média de que os pobres não podem dividir o mesmo espaço que eles.
Os Armazéns do Porto (espaço de lazer e
gastronomia muito agradável, bonito e que atende a uma demanda que precisava
ser contemplada), no lugar de promover INTERAÇÃO entre os públicos que já
frequentavam o Recife Antigo com o público novo, mais rico, que chega agora a
partir dessa nova oferta de lazer, está promovendo uma verdadeira cultura
discriminatória, segregacionista e de intolerância para com os diferentes.
A mais do que indesejada violência que
tem se alojado no bairro, com arrastões e brigas de gangue, poderia ser
combatida com o serviço da Central de Inteligência da polícia, prevenindo e
reprimindo quem de fato é criminoso, e não rotulando genericamente a população
de classe baixa como potencial criminosa. Nem preciso dizer que outros serviços
públicos, como assistência social, poderiam enfrentar a raiz do problema e
acabar com a violência desde sua origem, pois algo está errado quando jovens
veem na violência uma via de escape e de manifestação.
Uma política de segurança pública
honesta, que garantisse a segurança e o conforto de TODAS as famílias e grupos
sociais que pretendem ocupar o espaço do Recife Antigo, deveria ter outras
premissas.
Mas a política de segurança pública
escolhida pelo governo é mais um reforço de ideia de que A CIDADE NÃO É PARA
TODOS, E SIM PARA POUCOS. Uma política de segurança que serve a um modelo de
cidade higienista e racista.
Uma das premissas para entender direito
à cidade é compreender que a forma como ocupamos o espaço da cidade é antes de
tudo uma escolha ética sobre como vamos lidar com os outros e outras que ocupam
conosco esse espaço.
A gentrificação em curso no
Recife está sedimentando uma cultura de ódio e terror, em que o medo e o caos
são amplificados para justificar excessos e exceções. Está na hora de
começarmos a debater essa escolha ética.
Qual é a cidade que queremos?
***
Nota do
Editor: gentrificação - fenômeno que afeta uma região ou bairro pela
alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos
comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a
população de baixa renda. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de
bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda
insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.
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