DITADURA DE 1964/1985: SÍNTESE DO FRACASSO
E DA IGNOMÍNIA
Celso Lungaretti – Jornalista-
São Paulo/SP
Ao
completarem-se 51 anos da quebra da normalidade institucional no Brasil, mergulhando
o país nas trevas e na barbárie durante duas décadas, é oportuno evocarmos o
que realmente foi essa ditadura, defendida hoje com tamanha desfaçatez pelos
culpados inúteis e com tanta ingenuidade pelos inocentes úteis.
Como a bela
canção de Milton Nascimento e Fernando Brant frisou, cabe a nós, sobreviventes
do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos
que já se foram, assegurando que a memória não morra – mas, pelo contrário,
sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do totalitarismo.
Nessa
efeméride negativa, o primeiro ponto a destacar é que a quartelada de 1964 foi
o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada
tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; essas foram
apenas pretextos, não causa.
Há
controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para
derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o
suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas é incontestável
que a ultradireita vinha há tempos tentando usurpar o poder.
Em novembro
de 1955, conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou
contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada
graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da
Guerra, assumiu.
Um dos
golpistas presos foi o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que
viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência
parda do ditador Geisel.
Em fevereiro
de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam
contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.
Os oficiais
da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de
Aragarças.
E, em agosto
de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse
do vice-presidente João Goulart, só voltando atrás diante da resistência do
governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III
Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.
Apesar das
bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados grupos dos Onze brizolistas,
inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o
alegado "contragolpe preventivo", mas, pura e simplesmente, um
golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio
dos EUA, dos industriais e empresários civis e pelos militares.
Derrubou-se
um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se
mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e
barbarizaram-se cidadãos.
A esquerda
só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram
respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da
ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma
espécie.
Com
a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e do Judiciário
poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos
cidadãos), em dezembro de 1968,
a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a
vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano,
acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.
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