sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

HUMANITAS Nº 54 – DEZEMBRO 2016 –PÁGINA 7


Mulheres negras lutam contra preconceitos

Especial para o Humanitas

Aline Cerqueira é historiadora e colaboradora deste Humanitas. Mora em Salvador/BA

Desde a escravidão negreira que a marginalização das mulheres negras é evidente. Muitas tiveram suas vozes silenciadas. As práticas de lutas muitas vezes acabam ficando adormecidas nas discussões dentro da sociedade.
Quando pensamos que as mulheres negras foram construtoras de uma luta travada no período mais injusto da sociedade brasileira (a chamada escravidão dos povos africanos no Brasil) vem um chamado ao combate ainda mais forte nos tempos de hoje.  
Diante da construção de liberdade travada a sangue, e o desejo por uma sociedade mais justa e livre de opressão é que podemos compreender a importância do povo negro no Brasil, sobretudo das mulheres que tiveram um papel de guerreiras e libertárias diante do sistema opressor.
Como exemplo, temos Dandara, esposa de Zumbi dos Palmares, rainha, mãe e guerreira, porém muitos outros nomes foram negligenciados pela historiografia brasileira. Os livros didáticos não citam o papel das mulheres negras na construção da liberdade no país. Além disso, a mídia e muitos canais de informação não mostram quais foram as que conseguiram guerrear com todas as suas forças contra a opressão.
Parafraseando Pierre Bourdieu “a raiz da violência simbólica estaria deste modo presente nos símbolos e signos culturais, especialmente no reconhecimento tácito da autoridade exercida por certas pessoas e grupos de pessoas”.
A maneira como foram conduzidos os debates na sociedade brasileira contribuiu ao longo dos anos para a exclusão social, ficando claro o quanto o papel da mulher negra na sociedade ainda sofre imposições e normas comportamentais.
As pessoas foram habituadas a acatar uma sociedade branca e até hoje creem no mito de um Brasil cordial e miscigenado. No entanto, o que realmente prevalece é a herança europeia de superioridade.
O mito da democracia racial foi bem construído por cientistas sociais como Gilberto Freire, e perpetuado pela mídia brasileira que sempre deu destaque à cultura branca.
A sociedade brasileira continua a criar um estereótipo errôneo ao mostrar o branco como referência no meio social.
Se tivermos senso de justiça percebemos logo como se apresenta o papel da mulher negra na sociedade brasileira.
A sua participação na política e nos meios midiáticos é negligenciada século após século.
Mesmo com os acessos de muitos negros às universidades brasileiras e com trabalhos de destaque nas últimas décadas, continuamos a conviver com o racismo.
Ainda existe a tendência de enxergar o negro como ser inferior, sob a alegação de que muitas pessoas negras estão em postos de trabalho que não correspondem ao seu lugar na sociedade.
Quem assim pensa acha que o lugar “reservado” ao negro na sociedade brasileira é o da exclusão social e o da “vida de servir”.
Tais condições foram construídas e perpetuadas ao longo dos séculos por uma elite branca e racista que se acha no dever de dar uma continuidade ao legado da casa grande.
A escravidão deixou marcas profundas e o não aceitamento da cultura africana e da sua religião são provas cabais de que existe uma supremacia branca. O superior (branco) e o inferior (negro) são justificados nas ações cotidianas. Isso está perceptível em nossa sociedade.
À medida em que as ideias dos movimentos de mulheres e dos movimentos negros vão avançando, a visão estereotipada da mulher negra  na sociedade está sendo contraposta, surgindo, assim, expressões de valorização e de reconhecimento para desmistificar conceitos preconceituosos. Vale lembrar como exemplo a luta pelos direitos civis dos movimentos feministas no Brasil.
As mulheres negras precisam ser ouvidas, a fim de que possam falar de seus medos, angústias, frustrações e conquistas ao longo da sua caminhada como entes organizados na luta contra o racismo. A fala coletiva tem de ressoar, rompendo o silêncio e revelando seus sentimentos, o que possibilita encontrar alternativas e coragem para enfrentamento dos conflitos.
Elas são protagonistas de muitos combates travados com o propósito de mudança social e pretendem ser protagonistas da história, lutando por seus direitos e buscando liberdade para construir uma sociedade mais justa, onde todos possam viver em qualquer espaço sem que seus sonhos sejam destruídos.

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