domingo, 16 de fevereiro de 2014

A ordem do dia



Texto de Valdeci Ferraz – Advogado – Caruaru/PE
publicado no HUMANITAS nº 6 – Janeiro/2013

A solenidade chegava ao ápice.
Passada a revista da tropa, o comandante geral e o comandante do batalhão ocuparam seus lugares no palanque. O oficial de cerimônia caprichava na dicção, com uma voz empostada, pausada, as sílabas bem articuladas:
- Teremos agora a leitura da Ordem do Dia que será proferida pelo capitão Feitosa, orador oficial deste evento.
O comandante do batalhão sentiu o coração bater mais forte. No dia anterior, já no fim do expediente chamara o capitão Feitosa para, juntos, redigirem o texto que deveria ser lido durante a solenidade.
- Feitosa, sei que você é bom na oratória, mas dessa vez quero botar pra quebrar. É a primeira vez que o comandante geral vem aqui e quero aproveitar o máximo. Nada de texto demorado. Faça um resumo das nossas atividades e enfatize o apoio que temos recebido dele e do Governo do Estado.
- Pode deixar comigo, comandante.
- Amanhã de manhã, assim que chegar mostre-me o texto - disse o coronel, deixando o capitão sozinho na sala.
Feitosa ainda tirou a caneta do bolso para rascunhar o texto, mas o cheiro gostoso de carne de sol assada anunciou que era hora do rancho. “Depois eu faço isso”. Mal acabou de almoçar quando o telefone tocou. Era o tenente Luiz Carlos avisando que estava tudo certo, as meninas haviam topado sair naquela tarde. “A loura é minha!”, gritou, excitado, antevendo a farra.
A tarde emendou com a noite. Depois dos desejos saciados resolveu dormir no quartel. Num breve momento lembrou-se vagamente que tinha que fazer algo, mas sob o efeito do álcool adormeceu profundamente.
Agora estava ali. Ainda bem que tivera tempo de fazer a barba e engraxar os sapatos. Na mão uma folha de papel tremia, mas o sorriso que deu para o coronel foi tranquilizador. Ergueu o polegar dizendo que estava tudo sobre controle.
Segurou o microfone com força. A outra mão mantinha o papel à sua frente. A voz saiu firme, eloquente, serena. Quando terminou todos aplaudiram o magnífico discurso. O comandante geral fez questão de apertar-lhe a mão.
Depois da solenidade, já num ambiente descontraído no cassino dos oficiais, o coronel aproximou-se do orador.
- Muito bom o discurso, Feitosa, dê-me uma cópia para arquivar comigo.
- Coronel, o senhor me perdoe, mas o papel está em branco.

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