domingo, 16 de fevereiro de 2014

Refúgio poético

Poemas publicados no HUMANITAS nº 6 – Janeiro/2013

Aconteceu na minha rua 
Karline Batista – Estudante- Aracati/CE
  
Não havia vagas
Braços fortes cruzados
Corpos robustos escorados
Sem vagas. Só lamento. 


  Mais uma vez o homem volta ao lar
Sem um tostão no bolso
Sem um quinhão de dignidade
Só um trago de desgosto. 


A mulher vai perguntar.
O filho vai chorar.
A filha vai pedir.
Mas ele não lamentará.
Pois desta vez ele trará
Uma bala embrulhada no peito.
 

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Verso escuro 
Rafael Rocha – Jornalista – Recife/PE

Olho a noite numa lascívia controlada
Sentindo o vento novo fruir na escuridão
Desejos de luxúria marcam a estrada
A olhar o corpo nu desta negra canção

Impávida e irredenta afra libertada
Onde o iluminar sideral faz aquarela
Noite escura e pronta para ser amada
Mesmo com a lua a fazer-se sentinela

E sorvendo goles das vidas verdadeiras
O poeta rima noite ao só e amor aos dias
E se entrega ao abandono derradeiro

E entre os farfalhares das palmeiras
Na virgindade luzente das estrelas frias
O verso quase escrito se destrói inteiro 
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Pensando em você
Genésio Linhares – Professor – Recife/PE 

Ontem pensei em você, onde fui?
Símbolos de cartas estão rasgando
Qual pátria é esta? Pois estou filmando
Juízo final no supremo, ui!

Ontem recolhi velhos poemas meus
Muitas traças nas rimas fui matando
Quando vi seu retrato se esgarçando
Em tal banheira de banhas. Ó deus!

No corredor da morte mil correndo
Saindo pela culatra fedida
Soçobram migalhas naquela lama

E ainda gravatas prometendo
Bravatas a uma alma desferida
Só resta agora você e eu na cama.
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Revelação 
Valdeci Ferraz – Advogado – Caruaru/PE
   
Alguém me disse: amor não existe  
É tudo circunstância, interesses mútuos.  
Apontou para o meu desejo e falou:  
Amarás quem o matar.  
Amarás o assassino do teu desejo.  
Então eu desejei saber do amor  
E o vi com a mala pronta,  
Passagem na mão para outro mundo.  
Pensei nas mulheres que amei  
E nos desejos saciados, sepultados,  
Teria eu amado sem desejo?  
Até que venha e se proste  
E se entregue sem reservas  
Manter-se-á a chama de uma paixão  
Infinita enquanto dure,  
Porém o amor tomará mil disfarces  
E desaparecerá no tempo,  
Consumido na cremação dos ritos.  
Desejo por desejo, paixão por paixão,  
Um trato tácito com a aprovação  
Dos corpos carentes,  
Cansados da solidão.
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Cicatrizes 
Antônio Carlos Gomes Médico Guarujá/SP 

Vapores abertos de um ocre abstrato
Tingem a noite que se esvai vaporosa
Ou como odores de virgens amorosas
Ou como vestes onde o negro é estrato.

É tudo oco, cupim ali passou em praga
Dono de gula voraz. Tudo destruiu...
E o nada gritando, berrando surgiu
Afogando no chopp tudo que é mágoa.

E o nada corre. Se sobressai gritante
Tremem abaladas as almas corroídas
Pela dor de não ter nada a cada instante. 

E a chaga, já com o tempo endurecida 
Fica só, nem os vermes a devoram 
Pois o tempo também os evaporam. 
….................................

Homenagem póstuma a Millôr Fernandes (1923-2012) 

Obstinação dos Outros 

Deixamos de beber 
E em cada esquina 
Abriram um novo bar.

Abandonamos o fumo:

Passam homens, crianças

E navios

A fumar.

A rua, como nunca, está cheia de mulheres

Jovens, lindas de corpo, sedutoras de andar.

Ah, mas já deixamos de amar.

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Reflexão sobre a reflexão


Terrível é o pensar.

Eu penso tanto

E me canso tanto com meu pensamento

Que às vezes penso em não pensar jamais.

Mas isto requer ser bem pensado

Pois se penso demais

Acabo dispensando tudo que pensava antes

E se não penso

Fico pensando nisso o tempo todo.

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