domingo, 16 de fevereiro de 2014

Flertando com a morte

Texto de Celso Lungaretti – Jornalista -
publicado no HUMANITAS nº 6 – Janeiro/2013
 
É de Norman O. Brown a tese de que o capitalismo, em sua fase terminal, tornou-se agente da destruição da humanidade. A teorização dele em “Vida contra morte” (1959) é tão complexa que os resumos se tornam reducionistas e empobrecedores. É melhor mesmo enfrentarmos a obra, uma das poucas que trazem reais subsídios à compreensão do nosso tempo... ainda que meio século depois!
O certo é que, indo além do óbvio ululante de que o capitalismo já esgotou sua função histórica e está prenhe de revolução, O. Brown dissecou com ferramentas freudianas as características que o vampiro assume em sua sobrevida artificial, concluindo que ele catalisa as energias destrutivas dos homens, voltando-as contra eles. Vejamos esta notícia da Agência Brasil, assinada pela repórter Renata Giraldi, que aproveitou despachos da BBC e de outras agências internacionais: 
"O mundo está perigosamente despreparado para lidar com futuros desastres naturais", advertiu a agência de desenvolvimento internacional da Grã-Bretanha. A agência britânica informou que o despreparo é causado pela ausência de contribuição dos países ricos ao fundo de emergência mundial. O fundo de emergência é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas, criada como resposta a tsunamis, com o objetivo de auxiliar regiões afetadas por desastres naturais.
De acordo com informações de funcionários da ONU, o fundo emergencial sofreu com um déficit equivalente a R$ 130,5 milhões em 2012. A escassez do fundo, segundo especialistas, tem relação direta com a série de tragédias naturais que ocorreram ao longo de 2011, como a tsunami seguido por terremoto no Japão; a sequência de tremores de terra na Nova Zelândia, enchentes no Paquistão e nas Filipinas e fome no Chifre da África. Peritos japoneses e estrangeiros concluíram que medidas de precaução adequadas poderiam ter evitado os acidentes radioativos, na usina de Fukushima Daiichi, no Nordeste do Japão, em 11 de março de 2011... Portanto, ocorreram falhas no que se refere às influências de terremotos e tsunamis na estrutura física da usina". Resumo da opereta: o lucro é a prioridade máxima, dane-se nossa sobrevivência! O capitalismo nos obriga a flertar com a morte. 
O pensador, nascido no México, filho de um casal estadunidense, apostava na ressurreição dos corpos, na liberação do erotismo para derrotarmos a repressão e a morte - um pouco na linha de Wilhelm Reich, só que com argumentação bem mais sofisticada.
Contudo, deve ser também considerada a tese de Herbert Marcuse sobre a dessublimação repressiva sob o capitalismo, ou seja, uma dessublimação meia-boca, que não extingue a repressão. É como pode ser considerada a atual banalização do sexo como descarga física, sem real envolvimento amoroso.
Ou seja, o sexo casual, em que os parceiros usam um ao outro para obterem seu prazer egoísta, sem doação, sem verdadeiramente se complementarem. Este acaba reforçando a repressão, ao deslocá-la para o outro oposto: em lugar do amor com sexo travado de outrora, o sexo animalizado de hoje, dissociado do amor.
Já encontrei moças que, nuas e oferecidas, recusavam-se serem beijadas na boca, atitude comum das prostitutas. Só faltava repetir a frase que Hollywood costuma atribuir aos gângsteres: "Não é pessoal, são apenas negócios"...
Neste sentido, acredito em O. Brown: a plenitude amorosa - em que o amor físico e o espiritual são uma e a mesma coisa, com a identidade dos parceiros se dissolvendo num conjunto maior, quando um mais um soma bem mais do que dois - continua incompatível com o capitalismo. Transgride-o e o transcende, empurrando os domesticados seres humanos para uma convivência amorosa/harmoniosa com o(a) outro(a) - e, por extensão do mesmo clima, com todos os demais e com a natureza. Impelindo-os, enfim, à aventura da libertação.

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