quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A política de cabresto apoia a religiosidade

Texto do professor Perimar Moura -Ilheus (BA) 
Publicado no HUMANITAS edição nº 00 de agosto de 2012

A política apoia a religiosidade e a fé nas populações humanas. Afirmo isso com base em observações e reflexões diárias. Do cotidiano mesmo. Afirmo com base na etologia humana. Muitos hão de intervir, dizendo que essa é uma opinião enviesada pelo meu ateísmo, ou mesmo dizer que algum demônio, espírito zombeteiro, alma sebosa ou qualquer entidade de natureza maligna está me soprando isso aos ouvidos.
Já perdi a paciência para tanta ignorância, portanto nem vou me dar ao trabalho de aqui debater esses termos. Meu ponto neste espaço vai além de crenças e posturas pessoais. Trata-se de uma avaliação macroscópica de um conjunto de comportamentos que levam a um modelo de escravidão que tem sido cada vez mais atraente aos dominadores, visto que é praticamente uma escravidão voluntária. Acontece que o voluntarismo está respaldado e endossado pela falta de informação e percepção da maioria dos de nossa espécie.
O que me leva a levantar tal teoria é a observância simples de que a religiosidade encaminha ao comodismo e, diante dos modelos de governos que temos atualmente (penso mesmo que isso quase sempre foi assim), é um alicerce rico e consolidado. Vamos aos fatos: O sujeito mora numa viela de uma grande cidade brasileira que, como a maioria, não possui saneamento básico adequado, principalmente nos bairros periféricos, geralmente abarrotados de gente, aumentando o risco de contágio por diversas patologias. Uma criança tem acesso a um patógeno qualquer e cai debilitada, necessitando de cuidados médicos. É levada ao hospital público (geralmente de ônibus, tendo que encarar uma espera que pode ser letal em certos casos) mais próximo, obviamente buscando um atendimento pelo SUS, quando descobre que tem de pegar uma senha, entrar numa fila de atendimento e esperar vagar um leito. 
Enquanto a criança padece moribunda, o que faz a família? 
Em sua esmagadora maioria, a família senta (ou se ajoelha) e reza. Pede a entidades, quaisquer que elas sejam, pela melhoria de seu filho/sobrinho/vizinho/etc. Reza para que surja rapidamente uma vaga para um leito no hospital,  enquanto a criança tem chances de sobreviver. Caso surja a tal vaga “milagrosa”, pronto, aí está: para todos que oraram esta é a prova cabal de que tal entidade existe. Mas, meus amigos e amigas, se em caso contrário, quando a criança morre, é porque foi essa a vontade do(s) ente(s) divino(s).
Ora, isso não passa, para mim, de puro comodismo, de limitação racional, de formação que exercite a massa encefálica. Mas e o que a política tem a ver com isso? Onde entra o interesse da maioria dos governantes na fé dessas pessoas? 
Muito simples e creio que não precisemos ir longe para percebermos. Pensem comigo: (i) se a rua ou mesmo toda a cidade tivesse um saneamento básico adequado, esgotos a céu aberto certamente não existiriam, e o acesso a patógenos típicos de áreas degradadas seria diminuto ou mesmo extirpado. Sendo assim, a criança teria uma possibilidade ínfima de ser infectada por uma série de patógenos; (ii) se o transporte público fosse adequado, o tempo de espera seria reduzido, assegurando um deslocamento em tempo hábil que pode fazer a diferença entre a vida e a morte; (iii) se o sistema público de saúde fosse devidamente paramentado da logística necessária para o atendimento popular, certamente haveria leito e profissionais capacitados para um atendimento seguro e garantido à toda a população.
Mas essas necessidades (saneamento básico, transporte público e saúde) não são obrigações políticas?
Pois é, e aí vem o pior de tudo! Falta educação! Isso mesmo! Educação boa, com qualidade suficiente para informar ao cidadão que seus representantes na esfera política não são chefes, mas sim empregados do povo. Eles são responsáveis por gerir a verba que já existe e é paga por todos nós, e que deve ser destinada a suprir todas as nossas necessidades. Mas para que o povo tenha consciência real disso, é necessário que seja informado, que receba educação.
Diante disso, a educação se configura no pior inimigo dos políticos corruptos e incompetentes, na mesma medida em que a fé se torna sua principal aliada. Enquanto o povo se ocupa em rezar, ir à missa, pagar dízimos, sustentar instituições que vivem das lamúrias, das lamentações, das fraquezas, os políticos sujos ficam despreocupados. Afinal de contas, se a coisa der errado, é assim mesmo, foi porque “deus quis”...
A quem interessar possa, deixo aqui um conselho mais humanitário do que qualquer “dica divina”: passe menos tempo rezando (ou nem perca tempo com isso) e empregue esse tempo em cobrar a quem realmente deve e pode resolver seus problemas, os males de nossas populações. Para aqueles que criaram uma dependência psicológica a tal ponto que não pode viver, ou mesmo respirar sem pensar num deus qualquer, peço que apenas mude o foco. Supondo que seu deus exista, considerando que uma forma de existência fosse bondosa e superior, certamente ele não seria esse arquétipo humano, dotado de vaidades, fúria e necessidade de valorização.
Se um ser assim existisse, ele quereria muito mais e muito antes que suas crias fizessem a coisa certa para seu próximo, sua espécie e para a vida nesse planeta. Esse estereótipo que é pregado nas igrejas e templos não passa de uma ilusão para que não saibam de quem cobrar, a quem incomodar para que sua vida e a de seus filhos e a de todos os cidadãos no mundo seja melhor. Esse papel, amigos e amigas, é dos políticos, das pessoas que eu, vocês, todos nós pagamos o salário para que trabalhem em defesa de nossa causa. Por essa inversão de valores é que a política mundial, falando em menor foco da brasileira, apesar de ter em sua Carta Magna que é um país é laico, é tão conivente com religiões diversas e exibe em suas salas públicas uma série de adornos religiosos.
Para encerrar, vi por esses dias a notícia de que cresce entre meninas e adolescentes oriundas de países muçulmanos o índice de suicídio. De acordo com pesquisadores, esse crescimento está associado ao uso da internet. Será que a internet está influenciando as meninas a cometerem suicídio ou, ao verem que o mundo aqui fora é muito maior, elas descobrem o quanto têm direito à igualdade, ao prazer, ao sexo, à saúde, às escolhas em geral? Descobrem que não passam de escravas de um sistema que usa o jugo da cultura como álibi para manter os abusos históricos que qualquer um pode perceber? E não se enganem de uma forma ou de outra, todas as religiões trazem normas sem sentido que apenas limitam o ser humano a uma condição de obediência sem reflexão.
Meu voto é de menos reza e mais ação...

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