Texto de Celso
Lungaretti – Jornalista – São Paulo/SP
publicado no HUMANITAS
nº 02 – Outubro/2012
Uma velha máxima do jornalismo diz que notícia não é quando um cachorro
morde um homem, mas se um homem morder o cachorro. Foi o que aconteceu num
hospital público de Ivinhema, no Mato Grosso do Sul. Nunca ouvi falar nesse
município. Abrigará o Rancho Fundo, bem pra lá do fim do mundo?
O certo é que uma mulher de 32 anos estava para dar à luz, os
pré-natais não indicavam problemas e ela entrou saudável na sala cirúrgica. O
médico que fizera todo o acompanhamento prévio já havia aplicado o medicamento
para induzir contrações e dilatação, pois o parto seria normal. Chegou o
plantonista e reivindicou a primazia. Disse que cabia a ele conduzir os
procedimentos.
O outro médico não se conformou e os dois saíram na porrada, chegando a
rolar no chão. A parturiente ficou
histérica, além de exposta, nua, aos olhares da turma do deixa disso. Depois do
bafafá, um terceiro médico fez cesárea, mas o bebê nasceu morto. Médicos
existem para salvar nenês, mas causaram a morte deste. O homem mordeu o
cachorro.
Correndo o risco de ser tido pelos leitores como um velho saudosista,
vou confessar que sonho com um mundo bem diferente, solidário e justo, mas não
deixo de sentir uma ponta de nostalgia dos meus tempos de criança, quando os
médicos eram fiéis ao juramento de Hipócrates.
Quando os professores sentiam-se responsáveis não só pela instrução de
seus alunos, mas por prepará-los para serem bons cidadãos. Quando os juízes não
se deixavam subornar pelos poderosos e eram respeitados pela comunidade.
Quando o vendeiro era amigo da clientela e não a induzia a más compras.
Quando os farmacêuticos indicavam o remédio correto para quem não podia pagar
ou não tinha tempo para ir ao médico.
Quando os policiais eram bem educados e cumpriam civilizadamente a
lei... Aí veio o capitalismo pleno e a afabilidade foi detonada pela ganância, os
brasileiros cordiais substituídos pelos brasileiros canibais.
Não aguento mais percorrer lojas enormes sem nenhum vendedor para
assessorar a compra, tendo de caçar funcionário que dê informações (e quase
sempre ele chama outro, que nada sabe também, aí se descobre que o item em
questão não está mesmo nas prateleiras, mas pode ser que exista no depósito,
etc., de forma que a compra leva uma eternidade porque os estabelecimentos hoje
operam com um terço do pessoal que seria necessário para atender dignamente os
clientes...).
Não aguento mais ver policiais militares revistando jovens malvestidos
aos berros e pescoções, apenas por suspeitarem deles. Fico me lembrando da
distinta e respeitável Guarda Civil dos anos 50, que tratava a todos como
cidadãos e não como inimigos. Aí militarizaram o policiamento urbano e a
truculência virou norma.
Não aguento mais percorrer os bairros pobres e constatar que, na
principal cidade brasileira, continuam existindo córregos a céu aberto que
passam no meio da rua, onde as crianças caem para ser contaminadas pelo esgoto;
onde os coitadezas vão acrescentando um novo andar a seus casebres cada vez que
a família aumenta, até que aquela construção irregular e insensata desaba como
pedras de dominó.
Não
aguento mais ver os veículos de comunicação, com os repulsivos BBB's,
emburrecendo suas vítimas a um ponto que nem mesmo Sérgio Porto acreditaria ser
possível, quando apelidou a TV de "máquina de fazer doido". Não aguento mais viver no inferno pamonha do
capitalismo agonizante, que esgotou o que tinha de positivo para oferecer e
agora sobrevive parasitariamente, destruindo tudo que há de saudável, nobre e
belo na existência humana.
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