quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Refúgio Poético

Poemas publicados na coluna REFÚGIO POÉTICO
do HUMANITAS nº 02 – Outubro/2012



Hápax

Karline da Costa Batista – Estudante- Aracati-CE


Toma esta poesia torta

Escrita com dois cinzéis e uma horta

Na balada de uma sinfonia surda

Na toada de uma lavadeira curda

Toma esta vertigem amorfa

Feita de licores babilônicos e uma porta

Gole a gole, entulha-te o estômago

Rompendo-se a veia, abduz o âmago

Toma este grão-sótão arcaico

Teto Apache sobre piso incaico

Samba e cúmbia, cadência e passo

Do pé ameríndio a fugir do laço

Toma depressa este cálice

Ébrio cacto citadino de carbono e múrice

Toma, pois, que meu destino é ápice

E o meu nobre nome: um hápax.

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Receita
Valdeci Ferraz – Advogado- Caruaru/PE

Retire a primeira camada de sonhos
Que se assentou sobre os lençóis da tua cama
Porque agora apenas exalam odores acres,
Como os velhos tênis dos adolescentes.

Apanha o primeiro raio de sol
Que entra pela tua janela
E dança o bolero de Ravel
Verás então que sem mudar o ritmo,
É sempre possível escrever uma nova canção.

Extraia da alma uma nova matriz de cores
Para recolorir uma velha companheira
E descobrir novos diálogos, novos sorrisos

Não abandones o teu caldeirão de magia
Porque os feiticeiros rondam como as hienas
Que se alimentam dos restos putrefatos
Abandonados pelos fortes predadores.

No mais, vivei!
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Pontuações metafóricas
Genésio Linhares – Professor -  Recife/PE

Vírgulas são como pingos de sangue
Que caem do meu rosto
Como pingos amargos de morte
Ou de vidas de dor e sofrimento;

Pontos de interrogação são como árvores
Na estrada do meu existir.
Na verdade, vivo entre florestas
De dúvidas e incertezas;

Reticências são o não dito,
O mistério das santas noites profanas,
O véu dos segredos humanos,
Os beijos não dados na cama dos solitários;

O ponto e vírgula, as pausas para a ilusão,
Para o sonho do que queremos, mas sem poder,
Sem nenhum poder divino arrebatador,
Construções imponentes a deixar vazios;

O ponto: o nosso planeta perdido
Neste vasto universo em que vivemos,
O alfa e ômega dessa nossa existência
Onde vagamos sem causa aparente e trágica.
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Sonho encantado
Silvia Mota – Escritora e poeta- Rio de Janeiro/RJ

Armas destruídas
Luz através da janela
Vidas sem ruínas...

Sonho de um mundo melhor
Canto de amor e de paz!
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O Papão
Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850-1923)

As crianças têm medo à noite, às horas mortas,
Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,
Para as levar no bolso ou no capuz dum frade.
Não te rias da infância, ó velha humanidade,
Que tu também tens medo ao bárbaro papão,
Que ruge pela boca enorme do trovão,
Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,
Um papão que não faz a barba há seis mil anos,
E que mora, segundo os bonzos têm escrito,
Lá em cima, detrás da porta do infinito!

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