segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O músico, cantador e poeta Allan Sales disserta sobre sua vida e analisa o mundo de hoje

Entrevista publicada no HUMANITAS nº 8 – Março/2013

Músico, cantador e poeta, Allan Sales, nasceu no Crato-CE, no ano de 1960.De pai maranhense e mãe potiguar, aos 9 anos migrou para o Recife onde até hoje se encontra.Começou a vida artística em Campina Grande, na Paraíba, no ano de 1977, quando, segundo ele, a curiosidade e a paixão pela música tomaram conta total dos  seus interesses de vida. Nesta entrevista ao HUMANITAS,ele repassa momentos de sua formação na música e na poesia.Estudou Matemática na UFPE e Engenharia Civil na Politécnicada UPE, mas abandonou tudo isso por amor à arte.


JH - Allan, onde, como e quando surgiu a descoberta da veia artística? 
AS – O começo de tudo foi em Campina Grande, passando férias na casa de um amigo de infância, em 1977, quando fiz meu primeiro acorde de violão. A partir daí, a curiosidade e a paixão pela música e pelo instrumento foram crescendo e pegando corpo, até tomarem conta completamente dos meus interesses de vida. 
JH - Quando e onde começou a se apresentar em público? Teve medo ou sentiu-se inseguro? Houve mudanças de estilo de lá para o momento atual? 
AS - O começo de tudo foi em 1982, num festival de música popular promovido pelo Colégio São Bento, de Olinda, eu e meu parceiro e primeiro professor de violão, Fernando Nogueira, ganhamos um segundo lugar com uma parceria musical nossa. Foi uma barra encarar mais de oitocentas pessoas na platéia nos assistindo. É uma coisa natural ter esse medo, esse receio de encarar público. Com o tempo isso foi passando, até a gente achar o ponto de equilíbrio. 
JH - Começou primeiro com a música ou a poesia? No caso da música, quais as influências? 
AS - Comecei com música popular. A poesia veio em 1990 depois de uma pesquisa para compor uma trilha sonora para um espetáculo de teatro. Eu sou um produto de muitas informações musicais: o cancioneiro regional nordestino, a bossa nova, o tropicalismo e ainda uma vivência de aulas de violão erudito que foram de suma importância no sentido de conhecer estruturas melódicas e harmônicas mais elaboradas, além da técnica instrumental. Houve mudanças é claro, tanto de forma como de conteúdo. Hoje sou mais flexível, e larguei dos ranços elitistas que tinha com relação às expressões musicais menos elaboradas e que fazem parte do gosto médio popular. 
JH - Quando e como surgiu a poesia? Você só faz poesia de cordel ou trabalha com outros estilos? 
AS - Sempre fiz letras de músicas, que não são necessariamente peças de poesia. Surgiu para mim a poesia durante uma pesquisa para compor a trilha musical do espetáculo Nordeste na Mente, em 1990. Eu sou basicamente poeta cordelista. O cordel corresponde à maioria da produção em poesia, mas devo ter perto de uma centena de sonetos, e algumas peças de poesia de versos livres. 
JH - O seu trabalho defende algum tipo de ideologia política? Explique. 
AS - Minha formação em termos de convicções políticas foi de esquerda. Fui militante comunista um breve tempo de minha vida (PCB de 1985 a 1987), decidi não mais me atrelar a nenhum dos partidos de esquerda organizados no Brasil. Não defendi necessariamente nenhuma ideologia, cheguei, em muitos momentos, a ser panfletário em alguns conteúdos meus.  Hoje me considero um humanista, acreditando no modelo socialista, mas com uma postura crítica com relação aos que se julgam os únicos condutores do povo brasileiro rumo à real abolição de nossas contradições. 
JH - Qual a análise sistêmica que você faz do Brasil da época da ditadura militar aos dias atuais? O Brasil melhorou de lá para cá? 
AS - Houve avanços. A democracia permitiu a organização das demandas populares, o que forçou o sistema a aliviar as tensões sociais via políticas de compensação com bolsas sociais, sistemas de cotas etc. Mas permanecemos reféns de nossa maior contradição: 6º PIB do mundo e o 84º IDH, o que põe em xeque a velha tese do desenvolvimentismo, tão ao gosto dos militares durante o chamado milagre econômico sem lastro real na economia interna. O bolo cresce, mas distribuir migalhas com a maioria não vai nos colocar no patamar das nações realmente desenvolvidas. 
JH - O Brasil vem se desenvolvendo mais, do ponto de vista democrático, social e econômico? 
AS - Crescimento da produção, criação de uma nova classe média consumidora, aquecimento e fortalecimento do mercado interno são realidades inegáveis, desenvolvimento econômico é algo muito mais além do que capacidade produtiva de um país. A Coreia do Sul não tem nosso PIB, mas sua indústria é detentora de muito mais patentes que a nossa. A democracia ainda é viciada pela enorme força de manipulação do poder econômico e sua mídia servil. A base social dos nossos parlamentos não é proporcional à configuração social da sociedade que representam. Desenvolvimento social sem acesso amplo ao povo de uma educação pública de qualidade é mero eufemismo. Desenvolvimento social sem uma revolução cultural profunda e verdadeira não acredito que seja viável. 
JH - Sobre o mundo! Como o mundo está hoje? 
AS - O mundo vive uma encruzilhada de situações limites. Os países mais ricos do mundo vêem por toda parte sua dominação ser questionada. O neocolonialismo ainda vigente no mundo, a distribuição internacional do trabalho são questionados nos quatro cantos do planeta. A velha ordem ainda insiste em soluções de força. A questão ambiental põe em xeque nosso modelo de produção e de consumo cujos impactos podem nos levar a um irreversível impasse ambiental.  Só a resolução da equação social no planeta em escala global, acredito seja a solução. O povo e os mais sensatos querem, as elites ainda não. 
JH - Quais as perspectivas para o futuro do mundo, do Brasil, do Nordeste e de Pernambuco em termos humanistas e econômicos? 
AS - O futuro só será construído em bases humanistas quando os poderes do mundo também se tornarem humanistas. O sistema dominante é o das grandes corporações, da indústria da guerra, tudo baseado no consumismo, na competição entre indivíduos, comunidades, regiões, países e blocos econômicos. A vida real mostra os sintomas dessas mazelas sociais, o sistema ataca seus efeitos e aposta no controle social dos estados sobre as sociedades, que reagem ainda timidamente a isso. Em escala mundial, esses que reagem formam redes. Um dia terão força para  influenciar uma tomada global de consciência. 
JH -. Como você encara as preocupações com a natureza e sua preservação? 
AS - Sem isso não haverá futuro. O modelo a preconizar que progresso é somente produção industrial sem responsabilidade ambiental leva a um caminho suicida. 
JH - Como você analisa a cultura e arte no mundo, no Brasil e em Pernambuco?
AS - Pernambuco sempre foi um epicentro, um grande estuário receptor de correntes culturais. Um grande útero onde foram gerados movimentos culturais que repercutiram e repercutem além de nossas fronteiras. O sentimento de pertencimento a uma identidade nossa é forte demais aqui. O povo pernambucano sempre acreditou nos seus valores e é isso que o faz ser respeitado e admirado na região, no Brasil e no mundo. 
JH - O que é preciso melhorar em Pernambuco em termos culturais e artísticos? Quais projetos você considera necessário para essa melhora?
AS - Quando os gestores entenderem que fomento à cultura não se resume apenas aos grandes eventos de massa. Eles ainda têm uma visão utilitarista da cultura, não a vêem como veículo de ideias e valores humanos e civilizatórios. Por ser provocadora e inquietante, a cultura é uma força que os poderes do Estado monitoram e cooptam, buscando domesticar seus fazedores como uma forma de manter o status quo, bem como aquilo que interessa aos que se beneficiam de privilégios para uns poucos em detrimento da maioria.
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ALGUNS VERSOS DE ALLAN SALES

Eu sou livre cidadão
Casa grande nem senzala
Minha voz nunca se cala
O destino em minha mão
Um poema e um violão
Nisso eu me fiz capaz
Sou da luta e sou da paz
Não sou cria do opressor
Nem escravo nem senhor
Muito menos capataz
 

 Eu sou filho desta gente
Que viajou em nau negreira
Sou da gente brasileira
Sou da taba combatente
Sou Brasil inteligente
Li Darcy fui contumaz
Sou Brizola e sou Arraes
Nunca fui de ditador
Nem escravo nem senhor
Muito menos capataz
 

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Muita gente que tem hipocrisia
Escondendo não deixa de fazer
O vizinho fofocas pra dizer
Faz intriga regada de ironia
Cada qual tem a sua fantasia
Escondida no fundo do roupeiro
No final se revela por inteiro
E pra que esconder religião
No Brasil tão católico e cristão
Muita gente tem fé em macumbeiro.

Perseguiu tal fascismo getulista
Pais de santo e também os patuás
Sem poder cultuar os orixás
E seu culto tirar de ver à vista
Mas findou tal poder que foi fascista
Hoje em dia tem toque no terreiro
Tem ebó nas “encruza” o tempo inteiro
Iemanjá por aí faz um festão
No Brasil tão católico e cristão

Muita gente tem fé em macumbeiro.

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