quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Arraes: o homem passa. O mito se eterniza (15.12.1916 a 13.08.2005)

Texto publicado no jornal HUMANITAS nº 01 de Setembro/2012
Quando a força militar, no fim do mês de março de 1964, retirou do Palácio das Princesas o governador eleito pelo voto popular, Miguel Arraes de Alencar, dava-se então início a um negro ciclo ideológico no Brasil, que podemos chamar de uma ideia só. A ideia ditatorial da força das armas sobre as múltiplas ideias do povo.
A partir desse dia, o Brasil entrou numa ditadura que iria durar 21 anos. O governador não aceitou entregar o cargo aos militares, dizendo que não seria um traidor para aqueles que o levaram ao Palácio através do voto. Preso e enviado à ilha de Fernando de Noronha, como se fosse um criminoso da mais alta periculosidade, Miguel Arraes entrou de uma vez só para a História política do Brasil, principalmente a de Pernambuco, e mais que isso, tornou-se um mito e quase um deus para seus fiéis seguidores, principalmente para a massa popular.
Cearense do Araripe, Arraes veio para o Recife no ano de 1932 para concluir o curso de Direito. De uma família de sete filhos ele era o único homem. Em Pernambuco, tornou-se servidor público do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Foi nesse local que conheceu o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, então governador de Pernambuco, sendo seu secretário da Fazenda no ano de 1949. Logo a seguir entrou de vez na política, elegendo-se deputado estadual pelo PSD por duas vezes, para no ano de 1959 ganhar a Prefeitura do Recife apoiado por uma frente esquerdista. Mas não ficou só nisso, pois no ano de 1962 derrotou nomes conhecidos da política pernambucana, tornando-se governador de Pernambuco pelo Partido Social Trabalhista (PST), com o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Em seu primeiro governo, antes de ser deposto pelas forças da ditadura, Arraes forçou usineiros e donos de engenho da Zona da Mata de Pernambuco a pagarem o salário mínimo aos trabalhadores do campo, apoiando a criação e a multiplicação de sindicatos.
Tornou-se referência para todos os partidos de esquerda em Pernambuco. Após ser solto pela ditadura por meio de um habeas-corpus, exilou-se na Argélia e quando da volta do exílio elegeu-se deputado federal por Pernambuco, em 1982, para, no ano de 1986 retornar ao Palácio do Campo das Princesas, como ele bem disse para “entrar pela porta pela qual saiu”, obrigado pela força das armas.
 Miguel Arraes era quase um santo para as populações pobres de Pernambuco, em particular para o povo interiorano. Toda e qualquer casa de gente humilde do Agreste, Sertão, Zona da Mata e até mesmo da capital, Recife, tinha na parede sua foto. Em 1994, mais uma vez é eleito governador de Pernambuco, ficando no poder até 1998.
O deputado federal Rodrigo Rolemberg (PSB), após a morte de Miguel Arraes, fez um discurso na Câmara dos Deputados, enaltecendo o mito.
Disse que o ex-governador de Pernambuco, tinha-o provocado a “desenvolver um grande projeto de inclusão social tendo como base as costureiras, as bordadeiras, as mulheres. Ele dizia que, como a China desenvolvia tecnologias sofisticadas, deveríamos desenvolver tecnologias sociais. Tecnologias que aproveitassem o trabalho humano. Deveríamos iniciar a partir de coisas da cultura do povo, coisas que fizessem parte da vida do povo.” 
Tal era o homem Arraes. Tal era o mito Arraes. A história faz seu julgamento por suas ações pessoais e políticas, mas o povo de Pernambuco já tem julgado e guardado dentro de suas lembranças, sua figura de humanista.
Miguel Arraes de Alencar faleceu no dia 13 de agosto de 2005.
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Depoimento do filho Luiz Arraes (28 de junho de 2009) 
Um comentário sobre este permanente olhar para o futuro, para a melhoria de vida dos mais pobres. Meu pai sempre dizia: "Não peço votos pelo que fiz, mas pelo que posso vir a poder fazer". Orgulho-me do pai que tive. Criou dez filhos (ficou viúvo com oito e casou novamente tendo mais dois filhos. Teve a sorte, na vida, de ter encontrado duas grandes companheiras) com grande dificuldade, seja financeira, seja pelos tumultos que os acontecimentos proporcionaram. Todos têm vida própria. Meu pai não deixou um centavo de herança. Deixou um tesouro muito mais valioso, que foi seu exemplo. Renunciou à indenização da anistia, à pensão de ex-governador, recusou aposentar-se como deputado (aposentou-se pelo INSS). Deixou a sua viúva com esta aposentadoria e a sua aposentadoria de procurador do IAA onde ingressou por concurso público. Talvez, seguramente, ele não gostaria que isto fosse de conhecimento público. Acredito, no entanto, que as coisas precisam ser ditas. Sou um filho desobediente. Orgulhoso e desobediente. 
FRASES ARRAESISTAS 
"Nunca me preocupei com rótulos. O rótulo de radical, conciliador, não tem nenhum sentido para mim, como não tinha sentido me chamarem de comunista no passado. O que importa é a prática política; o que importa são os posicionamentos que se tomam ao lado de determinadas camadas sociais em defesa de teses que interessam à nação como um todo". (1983) 
"Estabilidade total só existe na morte e nós não queremos morrer, queremos sobreviver". (1995) 
"Minha vida todo mundo pode saber, pois nunca gostei de dinheiro pra ter muito dinheiro. Gosto de dinheiro pra gastar. Pra gastar, todo mundo gosta. Mas, pra ter dinheiro... Dinheiro é uma coisa perigosa. Na mão de um homem público é um desastre". (1998). 
"Eu acho que a humanidade tem de encontrar um sistema que busque uma solução satisfatória para todos e pregue a pacificação das relações humanas. O socialismo seria essa busca da solução satisfatória para todos. O que se viu no Leste Europeu não era socialismo. Eram regimes de grandes partidos, bastante assistencialistas. A juventude não foi incorporada, não se identificou com o processo". (2001).

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