quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Contra o veneno do racismo

Texto de Ricardo Matos Bezerra C. Vieira - Rio de Janeiro- RJ 
publicado no HUMANITAS nº 01 – Setembro/2012


Sou descendente de nordestinos, também, assim como de sulistas, de cariocas da gema, de sarracenos, negros, portugueses (anteriormente miscigenados, ainda na Península Ibérica), indígenas, mamelucos, cafuzos. Somos alvarengas, fogoiós, lilases, marinheiras, castanhos, enxofrados, melados, pálidos, roxos, sararás, turvos, verdes! Como definiu Darcy Ribeiro, somos um POVO NOVO que se formou pela influência cultural e miscigenação de várias etnias.
Pessoas que destilam o veneno do racismo guardado dentro de si e deixam escapar em brincadeiras com os mais íntimos, em momentos de efusão emocional ou cobertos pelo anonimato, esses são, em parte, os POVOS TRANSPLANTADOS sobre os quais também escreveu o citado antropólogo. Eles mantiveram os costumes dos países de origem, como em certas colônias no sul do Brasil onde alguns apoiaram o nazismo na época, assim como na Argentina e no Uruguai que receberam criminosos nazistas no pós-guerra. Já ouvi alguns sulistas dizerem que têm sangue azul (de brincadeira, claro. Inocentes brincadeiras).
O que seria de São Paulo sem os nordestinos? O Brasil começou no Nordeste. De lá, muitos vieram para cá bem antes dos movimentos migratórios mais recentes do século passado. Sei que muitos paulistas consideram-se quase italianos. Da Itália temos muitos episódios de preconceito. Talvez alguns deles queiram se esquecer da intensa miscigenação na Bota desde a antiguidade. No sangue deles corre todo o Magreb, Machrek, Pérsia e até, quem sabe, a Etiópia que eles colonizaram por breve período.
O preconceito ultrapassa a barreira da informação e cultura, pois é um elemento absorvido desde a mais tenra infância. Pobres coitados esses racistas, pois eles têm vergonha de si mesmos enquanto cortejam excessivamente o estrangeiro, acabando-se em louvores aos austríacos, saxões, bávaros, italianos, franceses, ingleses, irlandeses, escandinavos, eslavos. Muitos japoneses percebem-se superiores aos filipinos, malaios, vietnamitas ou chineses. Na Era Tokugawa os japoneses costumavam referir-se aos indianos como "aqueles macacos pretos do sul" e aos europeus germânicos como "sujos ursos dourados peludos com olhos de gato que deveriam ser expostos em jaulas". 
É a loucura suprema sobre a qual escreveu Erasmo de Rotterdam: "Cada povo considera-se melhor que o outro e orgulha-se profundamente da sua nação". Dentro de um mesmo país, cidade ou até bairro há polarizações preconceituosas. Os seres humanos, tão orgulhosos de si, vistos do Olimpo, se parecem mais com formiguinhas correndo de um lado para o outro. De vez em quando alguma catástrofe ou epidemia leva milhares deles, sejam nobres ou padres, ricos ou pobres, verdes ou roxos - o que mal se percebe lá de cima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário