sábado, 15 de fevereiro de 2014

O homem, seu território e a sociedade

Texto de Antônio Carlos Gomes – Médico – Guarujá/SP
publicado no HUMANITAS nº 04 – Novembro/2012

Uma sociedade justa e boa de viver é feita com igualdade social. A política serve apenas como administradora dessa igualdade


Uma senhora portuguesa veio à consulta. Por mais que eu me esforçasse, não conseguia compreender o que ela dizia, tendo de contar com a tradução do filho que a acompanhava. Estávamos nos finais dos anos 70. Ela havia saído das terras dos ancestrais, fugindo das guerras de libertação das colônias africanas, onde estavam convocando os jovens, no caso seus filhos.
Na mesma época li o livro Henfil na China, país que tinha a absurda população de 700 milhões de habitantes (hoje quase triplicou). Falava ele da dificuldade de alimentar, vestir e dar moradia para essa população. Como exemplo citava: cada habitante recebe duas vestimentas por ano. Caso se pense em aumentar um botão na roupa padrão, terão que fabricar um bilhão e 400 milhões de botões a mais, ou seja, terão que fazer uma nova fábrica. Li também um artigo versando sobre a sociedade das formigas. Como se sabe este é um regime absolutista com uma rainha e dividido em castas sociais. Nele o autor destacava as formigas que não se adaptavam a essa sociedade. Elas eram mortas; porém, algumas “dissidentes” eram aproveitadas em serviços úteis à comunidade.
Comparando com a sociedade humana, poderíamos enquadrar isso como o aproveitamento dos catadores de lixo, tal como se faz no Brasil, e com o isolamento ou morte como acontece em regimes fechados em várias regiões do mundo, onde o elemento não adaptado é preso indefinidamente ou executado. Isto me fez observar o seguinte:
A vida se transforma e as populações apresentam sempre os elementos com os quais se diferenciam. Caso contrário, a vida no planeta ainda seria formada por filamentos do RNA que a originou. Os elementos diferentes são básicos para a formação de novas espécies ou evolução delas.
Um grupo, mesmo dividido em castas, como o humano e as formigas, se mantém estável enquanto o território for suficiente. Os dissidentes podem, de uma forma ou de outra, serem controlados. No caso da paciente as guerras territoriais desestabilizaram uma população, que se sabia milenar.
O número maior de elementos em relação ao território faz com que uma população procure outro território e se este é habitado por elementos diversos tenta expulsá-los, originando guerras.
Não conhecemos todas as características da espécie humana, mas sonhamos com uma sociedade justa e harmônica. Devemos urgentemente levar em conta a relação território por habitantes, com todas suas variáveis: terra agricultável, água, períodos de chuva e estiagem, alimentos possíveis, contaminação ambiental e de sol, desmatamento ecológico, preservação das espécies.
Para estabelecer um local seguro e com harmonia, se não iniciarmos pelo território, todas as medidas serão especulativas, pois a vida se desenvolveu e as novas espécies se formaram em relação ao território, sempre buscando novos locais “seguros” para reproduzir e perpetuar a espécie.
A ideia de que tudo se move em função do sexo é posterior à fixação do elemento em seu nicho ecológico, portanto, passa inicialmente pelo território, Sem território a vida não progride. Esta se organiza em função do local e o que este oferece, como na China do Henfil com divisão igualitária ou como nos países pouco habitados, com maior liberdade de consumo.
O crescimento das populações deve orientar o consumo. O consumo capitalista, exagerado em função da relação habitante/território, só pode gerar instabilidade e guerras internas ou externas.
Nos países capitalistas, como nos comunistas, não se levar em conta a necessidade da relação território por habitante provoca distorções e uma organização política semelhante à da Idade Média, onde privilegiados se arvoram em “donos do território”.
A população, com uma parte jogada na indigência, fica sem ter um território mínimo que possa considerar seu. Isso provoca ebulição social e revolta.
Os regimes continuam feudais, de forma idêntica ao antigo regime, à custa da opressão.
Cada homem tem direito a seu território, suficiente para que tenha uma vida digna.
Nenhum homem necessita território maior do que aquele que satisfaça as suas necessidades e a produção orientada deste modo é que vai proporcionar o consumo satisfatório para cada um, sem excessos.
Uma sociedade justa e boa de viver se faz com igualdade social. A política serve apenas como administradora desta igualdade. O território é o início de tudo.

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