segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A revolução anarquista no ritmo do frevo e do maracatu

Texto de Genésio Linhares – Professor MS – Recife/PE
publicado no HUMANITAS nº 7 – Fevereiro/2013 

O Brasil até hoje tem um povo reprimido, resultado de uma colonização que nunca aceitou as diversas culturas sincretizadas


O Carnaval é uma festa popular que em Pernambuco tem características bem peculiares, além das inúmeras manifestações típicas de nosso estado. Antes de focar as duas mais expressivas manifestações carnavalescas como o frevo e o maracatu, gostaria de salientar que, infelizmente, a nossa mídia – rádio e televisão principalmente - é indiferente ao frevo e ao maracatu. O ano passa e ninguém escuta e nem vê programas divulgando as músicas desses ritmos, nem as histórias, os cortejos e tudo que envolve essas tradições. Com o frevo é pior ainda, pois tentam silenciar e modificar um ritmo revolucionário e libertador por natureza. O anarquismo, a resistência ao dominador que está na alma do frevo e do povo que dança com garra e fervor incomoda ao sistema. Por isso o boicote e a censura da mídia em não divulgar cultura tão autêntica.
O frevo, que começou a tomar forma nos meados do século XIX, é fruto da resistência de capoeiristas que saíam na frente das bandas militares contra os opressores e censuradores da época, jogando os pés pra cima e muitas vezes batendo em senhores (da classe alta) que estavam presentes, assistindo. Devido a essas provocações anárquicas os capoeiristas eram perseguidos pela polícia - resquícios do período da escravidão. Devido a essas perseguições foram criados o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas (1889) e o C.C.M. Lenhadores (1897), formados por trabalhadores, cada um possuindo a sua banda de música. Os capoeiristas necessitavam de um disfarce para acompanhar as bandas, agora dos clubes, já que eram perseguidos pela polícia. Assim, modificaram seus golpes, acompanhando a música, originando tempos depois o Passo (a dança do Frevo) e trocando suas antigas armas pelos símbolos dos clubes que, no caso dos Vassourinhas e Lenhadores, eram constituídos por pedaços de madeira encimados por uma pequena vassoura ou um pequeno machado, usados como enfeites.
Na verdade, o Brasil até hoje tem um povo reprimido, resultado de uma famigerada colonização que nunca aceitou as diversas culturas sincretizadas e criativamente desenvolvidas pelo encontro das três etnias provenientes dos escravos, ex-escravos, trabalhadores e pobres. Pernambuco e mais precisamente o Recife e Olinda sempre foi um baluarte pela independência e liberdade frente ao domínio português. E o frevo, no período carnavalesco exprime essa luta pela liberdade e resistência popular. É o período onde o povo dá vazão aos seus sentimentos, história, tradições e valores reprimidos por tantos séculos, de forma disfarçada.
O mesmo ocorre com o maracatu. Este tem uma origem ainda mais antiga, complexa e com diversas interpretações. Provavelmente, os maracatus mais antigos do carnaval de Pernambuco, também conhecidos como Maracatu de Baque Virado ou Maracatu Nação, nasceram da tradição do Rei do Congo (África), tendo também a presença indígena.
O mais remoto registro sobre maracatu data de 1711, em Olinda, e fala de uma instituição que compreendia um setor administrativo e outra, festivo, com teatro, música e dança. A parte falada foi sendo eliminada lentamente, resultando em música e dança próprias para homenagear a coroação do rei do maracatu. 
Mário de Andrade, no capítulo Maracatu de seu livro Danças Dramáticas Brasileiras II, elenca as possibilidades de origem da palavra maracatu, entre elas uma provável origem indígena: maracá, instrumento ameríndio de percussão; catu, bom, bonito em tupi;  Mara, guerra, confusão; marãcàtú, e depois maracatu, valendo como guerra bonita, isto é, reunindo o sentido festivo e o sentido guerreiro no mesmo termo.
Maracatu é um ritmo musical, conhecido como Baque Virado, utilizado pelo Maracatu Nação.  É caracterizado pela percussão forte, em ritmo frenético, que teve origem nas congadas, cerimônias de coroação dos reis e rainhas da Nação negra. A percussão é baseada em tambores grandes, chamados alfaias, caixas, taróis, ganzás e um gonguê.
Neste tipo de maracatu os personagens do cortejo são o rei, a rainha, dama-de-honra da rainha, dama-de-honra do rei, príncipe, princesa, ministro, embaixador, duque, duquesa, conde, condessa, vassalos, damas-de-paço (que portam as calungas durante o desfile do maracatu), porta-estandarte, escravo sustentando a umbrela ou pálio (chapéu-de-sol que protege o casal real e que está sempre em movimento), figuras de animais, guarda-coroa, corneteiro, baliza, secretário, lanceiros, brasabundo (uma espécie de guarda-costa do grupo), batuqueiros (percursionistas), caboclos de pena e baianas.
A boneca usada nos cortejos chama-se Calunga, ela simboliza as rainhas mortas e também encarna a divindade dos orixás, recebendo em sua cabeça os axés e a veneração do grupo.
O maracatu de Baque Solto ou Rural é mais recente e não tem a presença do rei e da rainha, mas apresenta-se com os caboclinhos de lança. Este tipo de maracatu é tradicional em Nazaré da Mata, Timbaúba, Goiana, Carpina, Vicência e Palmares. Tais manifestações, tipicamente pernambucanas, além do sentido lúdico do carnaval, trazem consigo uma riqueza de símbolos da luta de um povo que se miscigenou em nosso solo, mas não perdeu a força guerreira, o sonho pela liberdade e por dias melhores.
Assim, o frevo e o maracatu são as expressões e as formas encontradas pelo nosso povo de fazer a sua revolução anárquica, zombando do sistema através da música, da dança e do rico colorido dos trajes e adereços. Por isso, incomodam tanto a essa mídia comprometida com a classe dominante que tenta por todos os meios sufocá-las e descaracterizá-las. Várias prefeituras estão criando novas regras para obter maior controle sobre as espontâneas manifestações populares desse período. Que democracia é essa? Tudo tem que estar enquadrado no modelo neoliberal capitalista globalizante? Até para brincar o Carnaval?

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